Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – IV Domingo do Tempo Comum (Ano A)

As bem-aventuranças

Mt 5,1-12

Caros irmãos e irmãs,

A liturgia da palavra deste domingo nos traz um dos mais belos discursos de Jesus: o sermão das bem-aventuranças.   Em suas primeiras linhas o Evangelho relata que uma imensa multidão, vinda de todos os lugares, rodeava o Senhor, para ouvir a sua doutrina salvadora, que dá sentido à vida.  

É esta a ocasião que Jesus aproveita para traçar uma imagem do verdadeiro discípulo e proclama de bem-aventurados os pobres em espírito, os que sofrem, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os que promovem a paz e os perseguidos por causa da justiça (cf.  Mt 5,3-10).

Trata-se de um programa de vida para os cristãos, com os traços característicos de quem quer seguir Jesus Cristo.  São normas sábias propostas para que o homem possa atingir a felicidade.  A palavra bem-aventurado, do latim “beatus”, significa “feliz”, por isto, todos os bem-aventurados são felizes; na verdade, em todos os seres humanos existe uma tendência irresistível para ser feliz.  Todos querem a felicidade.  É um desejo que está plantado no mais profundo do ser humano.  Todos tendem a atingir a satisfação desse desejo inato.  E neste domingo, o Evangelho nos diz que a verdadeira felicidade só se realiza no encontro com Deus.  

As bem-aventuranças iluminam as ações e atitudes que caracterizam a vida cristã e exprimem o que significa ser discípulo de Cristo (cf. CIgC, n. 1717). Ao mesmo tempo, elas são como que uma biografia interior oculta de Jesus, um retrato da sua figura.  Devemos olhar como Jesus viveu estas bem-aventuranças. Os evangelhos são, do início ao fim, uma demonstração da mansidão de Cristo, em seu duplo aspecto de humildade e de paciência. Ele mesmo se propõe como modelo de mansidão para nós.

A primeira bem-aventurança nos fala que são felizes os “pobres em espírito”, ou seja, os que souberam se posicionar corretamente diante das riquezas do mundo. Jesus se identifica com os pobres.  Ele mesmo nasceu em uma manjedoura, em um lugar simples; e morre em uma cruz, despojado de suas vezes.  E, ao longo da sua vida, não tinha onde reclinar a cabeça (cf. Mt 8,20). E para ser seu discípulo, ele mesmo aconselha renunciar a todos os bens pessoais (cf. Mt 14,33). Por outro lado, nem todos os pobres são bem-aventurados, é preciso ser pobre “em espírito”, ou seja, despojar de seus bens para dividi-los com aqueles que mais  necessitam. É o desapego dos bens materiais e o despojar-se da arrogância e da ambição.

Os mansos também são felizes porque aprenderam a fugir da agitação do mundo, das brigas, dos desentendimentos e irritações.  Nisto também encontramos no Cristo a prova máxima da mansidão, que está no momento da sua paixão e morte de cruz. Mesmo diante da dor e do sofrimento não encontramos nenhum gesto de ira, nenhuma ameaça: “Insultado, não respondia com insultos; ao padecer, não ameaçava” (1Pd 2,23).

Essa característica da pessoa de Cristo ficou gravado, de tal forma, na memória de seus discípulos que São Paulo escreve aos coríntios: “Vos suplico pela mansidão e pela benignidade de Cristo” (2Cor 10,1). Mas Jesus fez muito mais que nos dar um exemplo de mansidão e paciência heróica; fez da mansidão o sinal da verdadeira grandeza e deixou para nós uma lição: “Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração” (Mt 11,2s).  E seguindo este modelo, podemos dizer que os mansos são aqueles conformados com a vontade de Deus, suportam com paciência e coragem as adversidades da vida. 

Os que têm fome e sede de justiça precisam lutar constantemente para que cada um receba o que lhe é devido.  A fome e a sede são os impulsos mais fortes que o homem experimenta.  São necessidades básicas para sobrevivência de qualquer ser vivo. Sem a ingestão de líquidos ou alimentos é impossível que se conserve a vida biológica. Contudo, esta bem-aventurança identifica como felizes os que têm sede e fome de justiça; e justiça significa dar a cada um o que lhe é de direito. A Sagrada Escritura, por sua vez, nos diz que Deus é o justo juiz (cf. Sl 7,11), portanto, dá a cada um, de acordo com as suas obras. O texto nos desafia a ter sede dessa justiça ou desse juízo divino e almejar em cada pessoa os seus direitos respeitados.

Os misericordiosos são aqueles que procuram em tudo ajudar os mais necessitados. Enquanto o pecado obscurece o conhecimento das coisas do céu, os puros de coração, sempre agindo por amor a Deus, pelas virtudes infusas, verão a Deus; porque sabem guardar um coração puro para poder assim ter olhos abertos para ver a Deus.  A pureza de coração foi colocada por Jesus entre as bem-aventuranças, pois, não pode faltar na vida de um santo. E São Paulo faz eco às palavras de Jesus, ao dizer aos cristãos de Tessalônica: “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação; que eviteis a impureza, que cada um de vós saiba possuir o seu corpo em santificação e honestidade, sem se deixar levar pelas paixões desregradas como fazem os pagãos que não conhecem a Deus…” (1Ts 4,3-7).

  As bem-aventuranças também ressaltam que são felizes aqueles que promovem a paz e, uma vez mais, podemos ver realizadas todas essas exortações na vida do próprio Senhor Jesus. Seu nascimento é revelado aos pastores com o anúncio: “Paz na terra aos homens que Deus ama!” (Lc 2,14). E Ele mesmo disse aos seus discípulos: “Eu vos deixo a paz; eu vos dou a minha paz” (Jo 14,27). Após a sua ressurreição Jesus aparece aos seus apóstolos e os saúda: “A paz esteja convosco!” (Jo 20,19). Trata-se de algo real, algo que é transmitido.

Neste sentido, a paz é quase um sinônimo de graça e, de fato, os dois termos são usados em conjunto, como uma espécie de binômio, no início das cartas de São Paulo: “Graça e paz a vós da parte de Deus e de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 1,7; 1Ts 1,1). Mas a paz também indica a harmonia com Deus, com os outros e consigo mesmo; e, neste sentido, todos nós somos chamados a cumprir esta bem-aventurança, buscando todos os esforços para construir um mundo no qual exista a paz para todos.

Cada uma das bem-aventuranças consiste de duas partes: uma condição e um resultado. Em quase todos os casos, as frases são familiares ao Antigo Testamento, mas o sermão de Jesus as eleva à condição de um novo ensinamento. As bem-aventuranças apresentam um conjunto de ideais, com foco no amor e na humildade, ecoando ensinamentos de espiritualidade e compaixão.

Pode-se ainda dizer que o conjunto de todas as bem-aventuranças traçam, pois, um único ideal: o da santidade.  Ao escutarmos, novamente essas palavras do Senhor, reavivamos em nós esse ideal como eixo de toda a nossa vida. São orientações para seguir no caminho da perfeição. E o evangelho conclui com uma mensagem de esperança: “Estejam alegres e contentes, porque a vossa recompensa será grande no céu” (Mt 5,12). 

Que o Senhor nos conceda entender as bem-aventuranças, assimilá-las e vivê-las com determinação, para entrarmos no seu Reino, cujo acesso é reservado para os humildes e para os que ouvem a sua Palavra e se empenham para colocá-la em prática.

Invoquemos a Virgem Maria, aquela que todas as gerações ao de proclamar “bem-aventurada”, porque acreditou na boa notícia que o Senhor anunciou (cf. Lc 1,48), para que possamos seguir com alegria os ensinamentos de seu Divino Filho, através do caminho das bem-aventuranças. Assim seja.

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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