O chamamento dos primeiros discípulos
Mt 4,12-23.
Caros irmãos e irmãs,
Na Liturgia da Palavra deste domingo o evangelista São Mateus nos apresenta o início da missão pública de Cristo, que começa nas cidades e aldeias da Galileia. Neste ambiente simples, tido como uma região pagã e excluída da salvação, que Jesus começa ensinando que ninguém está excluído do amor de Deus. O profeta Isaías já havia prenunciado que nesta terra, destinada às tribos de Zabulão e de Neftali, teria conhecido um futuro glorioso: o povo imerso nas trevas teria visto uma grande luz (cf. Is 8,23-9,1), a luz de Cristo e do seu Evangelho (cf. Mt 4, 12-16).
A pregação de Jesus vai consistir essencialmente no anúncio do Reino de Deus e na cura dos doentes. Literalmente, “evangelho” significa “boa mensagem”, “boa notícia” ou “boa nova”, derivando da palavra grega ευαγγέλιον. A “boa nova” que Jesus proclama resume-se nestas palavras: “O reino de Deus está próximo” (Mt 4,17). Esta expressão não indica um reino terreno delimitado no espaço e no tempo, mas anuncia que é Deus quem reina, que é Deus o Senhor e o seu senhorio está presente, é atual, está a realizar-se.
A novidade da mensagem de Cristo é, portanto, que Deus em sua pessoa se fez próximo, já reina entre nós, como demonstram os milagres e as curas que Ele realiza. Deus reina no mundo mediante o seu Filho feito homem e com a força do Espírito Santo. Aonde chega Jesus, o Espírito criador leva vida e os homens são curados das doenças do corpo e do espírito. O senhorio de Deus manifesta-se então na cura integral do homem. Com isto Jesus quer revelar o rosto do verdadeiro Deus, o Deus próximo, cheio de misericórdia por todos os seres humanos. O reino de Deus é, portanto, a vida que se afirma sobre a morte, a luz da verdade que dissipa as trevas da ignorância e da mentira.
O Evangelho é a “boa nova” porque a sua exortação é sempre atual. Todos os dias somos chamados à conversão a Cristo e este é o caminho que nos conduz a Deus. E a Liturgia da Palavra deste domingo ressalta o projeto de salvação que Deus tem para oferecer à humanidade. Já na primeira leitura (cf. Is 8,23-9,3), o profeta Isaías anuncia uma luz que Deus irá fazer brilhar e que colocará fim às trevas que submergem todos aqueles que estão prisioneiros da morte, da injustiça e do sofrimento.
A imagem da luz torna-se sinal da esperança messiânica: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz,uma luz raiou para os que habitavam uma terra sombria como a morte” (Is 9,1). No contexto do sofrimento e da dor, a imagem da luz vislumbra em sinal de alegria e paz. O profeta Isaías anuncia “uma luz” que começará a brilhar em cima dos montes da Galiléia e que irá iluminar toda a terra. Essa luz eliminará “as trevas” que mantinham o Povo sem esperança e inaugurará um novo dia, uma nova realidade.
Jesus tem consciência de que a chegada desse novo tempo está ligada à sua pessoa. Mas o seu primeiro anúncio resume-se, para o Evangelista Mateus, no convite à conversão, porque o Reino de Deus está para chegar (v. 17). O convite à conversão é um apelo a uma mudança radical na maneira de pensar, nos valores e nas atitudes. Corresponde, fundamentalmente, a um reorientar a vida para Deus, a um reequacionar a vida, de modo a que Deus e os seus valores passam a estar no centro da nossa existência.
E o Evangelho descreve o chamamento dos primeiros discípulos (vv. 18-22). Através da resposta de Pedro e André, Tiago e João, Jesus propõe a atitude destes primeiros discípulos como um exemplo da conversão e da adesão às suas exigências. O relato sublinha uma diferença fundamental entre os chamados por Jesus e os discípulos que se juntavam à volta dos mestres do judaísmo: não são os discípulos que escolhem o mestre e pedem para entrar no seu grupo, como acontecia com os discípulos dos rabinos; mas a iniciativa é de Jesus, que chama os discípulos que Ele próprio escolheu e os convida a segui-lo para uma missão.
A resposta dos quatro primeiros discípulos ao chamado de Jesus é imediata: renunciam à família, ao trabalho, às seguranças instituídas e seguem Jesus sem questionar. Esta ruptura indicia uma opção radical pelo Cristo e pelo seu Evangelho. Eles deixam um atividade para assumir uma outra: eles serão pescadores de homens. O mar, na cultura judaica, é o lugar dos demônios, das forças da morte que se opõem à vida e à felicidade dos homens. No mar havia os monstros e nele até os mais hábeis marinheiros não se sentiam em segurança. O mar, na cultura de então, era tido como a morada do demônio, das doenças e de todas as forças inimigas da vida.
A tarefa dos discípulos de Jesus será, portanto, arrancar os homens dos tentáculos do mal que, nestas águas impetuosas, os dominam, os arrastam, os submergem. Cabe a eles libertar os homens dessa realidade de morte e de escravidão em que eles estão mergulhados, e os conduzir à liberdade e à plena realização. Nisto consiste a missão de pescadores de homens. Nestes quatro discípulos: Pedro, André, Tiago e João, estão representados o grupo dos discípulos, de todos os tempos e lugares. Eles não podem ter medo das ondas do mar, mesmo quando elas estão violentas. Não podem desistir de salvar aqueles que necessitam de uma vida nova.
Para que o Reino de Deus possa ser instaurado, Jesus pede a “conversão”. Esta conversão é, antes de mais, um refazer a existência, de forma a que só Deus ocupe o primeiro lugar na vida do homem. Implica, portanto, despir-se do egoísmo que o impede de estar atento às necessidades do próximo, dos que necessitam do nosso auxilio e da nossa atenção.
O tema da luz, relacionado à pregação do Evangelho, indica que a salvação há de ser difundida largamente ao alcance de todos. À imagem da luz, pelo seu fenômeno de irradiação, torna-se, a grande força expressiva do Evangelho a ser dilatado entre as nações e para todos os homens. Entretanto, a riqueza da imagem nos remete também ao fato da luz possibilitar a visão e aquecer os ambientes (cf. Mt 6,22s).
É frequente na Sagrada Escritura a imagem da luz como expressão da ação de Deus Salvador. O Velho Simeão, por exemplo, no Templo, se referiu ao Menino Jesus como “luz que veio para iluminar as nações” (Lc 2,32). Em São João essa idéia aparece inúmeras vezes. Assim no prólogo do seu Evangelho, Jesus é apresentado como a “luz verdadeira que vindo ao mundo, ilumina todo homem” (Jo 1,9). O juízo de condenação do mundo acontece porque “a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz” (Jo 3,19). E sobre todas essas reflexões paira a solene palavra de Jesus: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue, não caminha nas trevas, mas tem a luz da vida” (Jo 8,12). Não sem misterioso significado, na hora da morte de Jesus no Calvário “estenderam-se as trevas sobre toda a terra” (Mt 27,45). Com Cristo, a luz. Sem Cristo, a escuridão.
Mas nós também somos chamados a irradiar a luz. Os textos bíblicos apresentados para este domingo indicam que Deus veio ao mundo como luz, para iluminar o nosso caminho de trevas. Quantos homens e mulheres andam à procura de sentido e procuram o seu caminho na noite. Hoje também o Senhor nos chama para que o sigamos e para que iluminemos a vida dos homens e as suas atividades com a luz da fé. Sem a fé em Jesus Cristo os homens caminham às escuras e, por isso, podem tropeçar e cair. O Senhor nos chama a ser luz do mundo e devemos ser portadores e reflexo desta luz. Que o nosso coração possa estar aberto para acolher esta luz “que ilumina e salva” (Sl 26).
Peçamos uma vez mais a Maria, a Virgem de Nazaré, a quem também invocamos com o título de Nossa Senhora da Luz, que ela possa interceder por nós, para que possamos cumprir com fidelidade os ensinamentos de seu filho Jesus e que possamos ser uma luz a iluminar os caminhos daqueles que estão nas trevas. Assim seja.
Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ