Homilia do D. Anselmo Chagas de Paiva – XXX Domingo do Tempo Comum – A – O maior mandamento da Lei

Mt 22,34-40

Caros irmãos e irmãs,

O domingo é o dia litúrgico por excelência, no qual os fiéis se reúnem para lembrar a paixão, a ressurreição e a glória do Senhor Jesus e dar graças a Deus, escutando a Palavra e participando da Eucaristia (cf. SC 106).  A conservação e a alimentação da fé estão ligadas à participação da celebração Eucarística, que deve ser sempre o centro da comunidade paroquial dos fiéis (cf. CIC, cân. 528).

O Evangelho deste domingo se insere em mais uma controvérsia entre Jesus e o grupo dos fariseus. Mais uma vez, querem testar os conhecimentos de Jesus sobre a Lei e um deles pergunta qual é o maior mandamento da Lei (v. 36).  Este questionamento não tem como objetivo conhecer a verdade, e sim colocar Jesus à prova, para experimentá-lo (cf. v. 35).  Jesus não hesita e responde imediatamente: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento! Esse é o maior e o primeiro mandamento” (v. 37-39).  Na sua resposta, Jesus cita o Shemá, a oração que o israelita recita várias vezes ao dia (cf. Dt 6,4-9; Nm 15,37-41): a proclamação do amor íntegro e total devido a Deus, como o único Senhor.

Com efeito, a exigência principal para cada um de nós é que Deus esteja presente na nossa vida. Como diz a Escritura, Ele deve imbuir todas as camadas do nosso ser e enchê-las completamente: o coração deve conhecê-lo e deixar-se tocar por Ele; e assim também a alma, as energias da nossa vontade e das nossas escolhas, bem como a inteligência e o pensamento, para que possamos dizer como São Paulo: “Já não sou eu que vivo; é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20).

Jesus ainda acrescenta algo sobre o segundo mandamento que, na realidade, não tinha sido perguntado pelo doutor da lei: “O segundo é semelhante ao primeiro: amarás o teu próximo como a ti mesmo” (v. 39). O aspecto surpreendente da resposta de Jesus consiste no fato de que Ele estabelece uma relação de semelhança entre o primeiro e o segundo mandamento, definido também esta vez com uma fórmula bíblica tirada do código levítico de santidade (cf. Lv 19, 18).

Esta questão do maior mandamento da Lei era, no tempo de Jesus, objeto de debates intermináveis entre os fariseus e os doutores da Lei.  Os rabinos, ao estudar a Bíblia, tinham chegado a compor uma lista dos mandamentos nela contidos. Uma tarefa difícil, considerando que na Lei de Moisés foram identificados um conjunto de 613 preceitos, dos quais 365 eram proibições e 248 ações a serem colocadas em prática.  Como discernir dentre eles o maior? Os guias religiosos de Israel ensinavam que todos esses mandamentos tinham a mesma importância e eram igualmente obrigatórios; discutia-se, porém, qual seria o primeiro e o maior de todos esses mandamentos. Para alguns rabinos o preceito do sábado valia mais do que todos os outros mandamentos, enquanto que para outros o amor a Deus e ao próximo estaria em primeiro lugar.

A resposta de Jesus, portanto, supera o horizonte estreito da pergunta. O importante, na perspectiva de Jesus, não é definir qual o mandamento mais importante, mas encontrar a raiz de todos os mandamentos. E, na perspectiva de Jesus, essa raiz gira à volta de dois mandamentos: o amor a Deus e o amor ao próximo.

A originalidade deste ensinamento está, por um lado, no fato de Jesus aproximar um mandamento do outro, pondo-os em perfeito paralelo e, por outro, no fato de Jesus simplificar e concentrar toda a revelação de Deus nestes dois mandamentos. Deste modo, Jesus oferece a cada homem o critério fundamental sobre o qual devemos delinear a nossa própria vida.

Jesus ainda acrescenta em sua resposta que é preciso “amar o próximo como a si mesmo” (v.39). As palavras “como a si mesmo” significam que é preciso amar totalmente, de todo o coração.  Já o Evangelista São João nos diz:  “Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas não ama seu irmão, é um mentiroso: pois quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a quem não vê, não poderá amar” (1Jo 4,20). É preciso reconhecer que Deus está presente no irmão que sofre e este amor deve ser manifestado no auxílio que podemos dar, sobretudo, para aqueles que se encontram em maior fragilidade.

É com estes menores de seus irmãos que Jesus também se identifica, pois ele mesmo disse: “Tive fome e me destes de comer. Tive sede e me destes de beber. Era forasteiro e me recolhestes… Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes… Em verdade vos digo: todas as vezes que deixastes de fazer a um desses pequeninos, foi a mim que deixastes de fazer(Mt 25,31-46).

Cristo deixou aos seus discípulos o mandamento do amor: “Como eu vos amei, assim amai-vos também vós uns aos outros” (Jo 13,24).  E ainda ressaltou: “Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13,34-35).  E São Paulo, com uma fórmula ainda mais lapidária, sintetiza assim a vida nova dos batizados em Cristo: “Não devais nada a ninguém, a não ser o amor mútuo, pois o que ama o outro cumpriu a lei… Portanto a caridade é a plenitude da lei” (Rm 13, 8-10).

Também a primeira Leitura, tirada do Livro do Êxodo (cf. Ex 22,20-26), nos orienta para esta mesma direção, insiste sobre o dever do amor; um amor testemunhado concretamente nas relações entre as pessoas: devem ser relações de respeito, de colaboração, de ajuda generosa. O próximo a ser amado é também o estrangeiro, o órfão, a viúva e o indigente, aqueles cidadãos que não têm defensor algum.

Na segunda Leitura podemos ver uma aplicação concreta do máximo mandamento do amor numa das primeiras comunidades cristãs.  São Paulo procura exortar os tessalonicenses: “Vós vos tornastes imitadores nossos e do Senhor, acolhendo a Palavra com a alegria do Espírito Santo, apesar de tantas tribulações” (1Ts 1,6). Os ensinamentos que tiramos da experiência dos Tessalonicenses é que o amor pelo próximo nasce da escuta atenta da Palavra divina. Por isto, é importante ouvir a Palavra e vivê-la no dia a dia.

Que a escuta renovada da Palavra de Deus possa fazer brotar em nós uma autêntica renovação na fé e na santidade de vida. Peçamos, uma vez mais, a materna intercessão da Virgem Maria, que nas Bodas de Caná exortou a fazer tudo quanto Jesus dissesse (cf. Jo 2,5), para que saibamos reconhecer na nossa vida a primazia da Palavra de Deus, que é também um alimento para a fé, a esperança e a caridade, que são caminhos permanentes de salvação para todos. Assim seja!

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento-RJ

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