Dehonianos
(Província portuguesa dos sacerdotes do Coração de Jesus)
TEMA
A liturgia deste domingo propõe-nos uma reflexão sobre alguns valores que acompanham o desafio do “Reino”: a humildade, a gratuidade, o amor desinteressado.
O Evangelho coloca-nos no ambiente de um banquete em casa de um fariseu. O enquadramento é o pretexto para Jesus falar do “banquete do Reino”. A todos os que quiserem participar desse “banquete”, Ele recomenda a humildade; ao mesmo tempo, denuncia a atitude daqueles que conduzem as suas vidas numa lógica de ambição, de luta pelo poder e pelo reconhecimento, de superioridade em relação aos outros… Jesus sugere, também, que para o “banquete do Reino” todos os homens são convidados; e que a gratuidade e o amor desinteressado devem caracterizar as relações estabelecidas entre todos os participantes do “banquete”.
Na primeira leitura, um sábio dos inícios do séc. II a.C. aconselha a humildade como caminho para ser agradável a Deus e aos homens, para ter êxito e ser feliz. É a reiteração da mensagem fundamental que a Palavra de Deus hoje nos apresenta.
A segunda leitura convida os crentes instalados numa fé cômoda e sem grandes exigências, a redescobrir a novidade e a exigência do cristianismo; insiste em que o encontro com Deus é uma experiência de comunhão, de proximidade, de amor, de intimidade, que dá sentido à caminhada do cristão. Aparentemente, esta questão não tem muito a ver com o tema principal da liturgia deste domingo; no entanto, podemos ligar a reflexão desta leitura com o tema central da liturgia de hoje – a humildade, a gratuidade, o amor desinteressado – através do tema da exigência: a vida cristã – essa vida que brota do encontro com o amor de Deus – é uma vida que exige de nós determinados valores e atitudes, entre os quais avultam a humildade, a simplicidade, o amor que se faz dom.
LEITURA I – Sir 3,19-21.30-31
Filho, em todas as tuas obras procede com humildade e serás mais estimado do que o homem generoso. Quanto mais importante fores, mais deves humilhar-te e encontrarás graça diante do Senhor. Porque é grande o poder do Senhor e os humildes cantam a sua glória. A desgraça do soberbo não tem cura, porque a árvore da maldade criou nele raízes. O coração do sábio compreende as máximas do sábio e o ouvido atento alegra-se com a sabedoria.
AMBIENTE
Estamos no início do séc. II a.C., quando os selêucidas dominavam a Palestina. O helenismo tinha começado o seu trabalho pernicioso no sentido de minar a cultura e os valores tradicionais de Israel. Muitos judeus – incluindo membros de famílias de origem sacerdotal – deixavam-se seduzir pelo brilho da cultura helénica, começavam a abandonar os valores dos pais e a aderir aos valores da cultura invasora… Jesus Ben Sira é, no entanto, um judeu tradicional, orgulhoso da sua fé e dos valores israelitas. Consciente de que o helenismo ameaçava as raízes do seu Povo, vai escrever para defender o património religioso e cultural do judaísmo. Procura convencer os seus compatriotas de que Israel possui, na sua “Torah” revelada por Deus, a verdadeira “sabedoria” – uma “sabedoria” muito superior à “sabedoria” grega.
Aos israelitas seduzidos pela cultura grega, Jesus Ben Sira lembra a herança comum, procurando sublinhar a grandeza dos valores judaicos e demonstrando que a cultura judaica não fica a dever nada à brilhante cultura grega.
O texto que nos é proposto pertence à primeira parte do livro (cf. Ben Sira 1,1-23,38).
Aí fala-se da “sabedoria”, criada por Deus e oferecida a todos os homens. Nesta parte, dominam os “ditos” e “provérbios” que ensinam a arte de bem viver e de ser feliz.
MENSAGEM
O texto apresenta-se como uma “instrução” que um pai dá ao seu filho. O tema fundamental desta “instrução” é o da humildade.
Para Jesus Ben Sira, a humildade é uma das qualidades fundamentais que o homem deve cultivar. Garantir-lhe-á estima perante os homens e “graça diante do Senhor”.
Não se trata de uma forma de estar e de se apresentar reservada aos mais pobres e menos preparados; mas trata-se de algo que deve ser cultivado por todos os homens, a começar por aqueles que são considerados mais importantes. O autor não entra em grandes pormenores; limita-se a afirmar a importância da humildade e a propô-la, sem grandes desenvolvimentos nem explicações. O “sábio” autor destas “máximas” não tem dúvida de que é na humildade e na simplicidade que reside o segredo da “sabedoria”, do êxito, da felicidade.
ACTUALIZAÇÃO
Para a reflexão e partilha, considerar os seguintes dados:
- Ser humilde significa assumir com simplicidade o nosso lugar, pôr a render os nossos talentos, mas sem nunca humilhar os outros ou esmagá-los com a nossa superioridade. Significa pôr os próprios dons ao serviço de todos, com simplicidade e com amor. Quando somos capazes de assumir, com simplicidade e desprendimento, o nosso papel, todos reconhecem o nosso contributo, aceitamnos, talvez nos admirem e nos amem… É aí que está a “sabedoria”, quer dizer, o segredo do êxito e da felicidade.
- Ser soberbo significa que “a árvore da maldade criou raízes” no homem. O homem que se deixa dominar pelo orgulho torna-se egoísta, injusto, auto-suficiente e despreza os outros. Deixa de precisar de Deus e dos outros homens; olha todos com superioridade e pratica, com frequência, gestos de prepotência que o tornam temido, mas nunca admirado ou amado. Vive à parte, num egoísmo vazio e estéril. Embora seja conhecido e apareça nas colunas sociais, está condenado ao fracasso. É o “anti-sábio”.
- É preciso que os dons que possuímos não nos subam à cabeça, não nos levem a poses ridículas de orgulho, de superioridade, de desprezo pelos nossos irmãos. É preciso reconhecer, com simplicidade, que tudo o que somos e temos é um dom de Deus e que as nossas qualidades não dependem dos nossos méritos, mas do amor de Deus.
SALMO REPONSORIAL – Salmo 67 (68)
Refrão: Na vossa bondade, Senhor, preparastes uma casa para o pobre.
Os justos alegram-se na presença de Deus,
exultam e transbordam de alegria.
Cantai a Deus, entoai um cântico ao seu nome;
o seu nome é Senhor: exultai na sua presença.
Pai dos órfãos e defensor das viúvas,
é Deus na sua morada santa.
Aos abandonados Deus prepara uma casa,
conduz os cativos à liberdade.
Derramastes, ó Deus, uma chuva de bênçãos,
restaurastes a vossa herança enfraquecida.
A vossa grei estabeleceu-se numa terra
que a vossa bondade, ó Deus, preparara ao oprimido.
LEITURA II – Heb 12,18-19.22-24a
Irmãos: Vós não vos aproximastes de uma realidade sensível, como os israelitas no monte Sinai: o fogo ardente, a nuvem escura, as trevas densas ou a tempestade, o som da trombeta e aquela voz tão retumbante que os ouvintes suplicaram que não lhes falasse mais. Vós aproximastes-vos do monte Sião, da cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste, de muitos milhares de Anjos em reunião festiva, de uma assembleia de primogénitos inscritos no Céu, de Deus, juiz do universo, dos espíritos dos justos que atingiram a perfeição e de Jesus, mediador da nova aliança.
AMBIENTE
Estamos na quinta parte da Carta aos Hebreus (cf. 12,14-13,19). Depois de pedir a perseverança e a constância nas provas (cf. Heb 12,1-13), o autor vai pedir uma conduta consequente com a fé cristã: os crentes são exortados a manter e cultivar relações harmoniosas, adequadas, justas, para com os homens e para com Deus.
Neste texto, em concreto, o autor convida os destinatários da carta à fidelidade à vocação cristã. Para isso, estabelece um paralelo entre a antiga religião (que os destinatários da carta conheciam bem) e a nova proposta de salvação que Cristo veio apresentar. Os crentes são, assim, convidados a redescobrir a novidade do cristianismo – essa novidade que, um dia, os atraiu e motivou – e a aderir a ela com entusiasmo… Recordemos – para que as coisas façam sentido – que o escrito se destina a uma comunidade instalada, preguiçosa, que precisa descobrir os fundamentos reais da sua fé e do seu compromisso, a fim de enfrentar – com coragem e com êxito – os tempos difíceis de perseguição e de martírio que se aproximam.
MENSAGEM
O autor estabelece um profundo contraste entre a experiência de comunhão com Deus que Israel fez no Sinai e a experiência cristã.
A experiência do Sinai é descrita como uma experiência religiosa que gerou medo, opressão, mas não relação pessoal, proximidade, amor, comunhão, intimidade, confiança – nem com Deus, nem com os outros membros da comunidade do Povo de Deus. O quadro da revelação do Sinai é um quadro terrífico, que não fez muito para aproximar os homens de Deus, num verdadeiro encontro alicerçado no amor e na confiança. Por isso, não há que lamentar o desaparecimento de um tal sistema.
Na experiência cristã, em contrapartida, não há nada de assustador, de terrível, de opressivo. Pelo Baptismo, os cristãos aproximaram-se do próprio Deus, numa experiência de proximidade, de comunhão, de intimidade, de amor verdadeiro… A experiência cristã é, portanto, uma experiência festiva, de verdadeira alegria. Por essa experiência, os cristãos associaram-se a Deus, o santo, o juiz do universo, mas também o Deus da bondade e do amor; foram incorporados em Cristo, o mediador da nova aliança, irmanados com Ele, tornados co-herdeiros da vida eterna; associaramse aos anjos, numa existência de festa, de louvor, de acção de graças, de adoração, de contemplação; associaram-se aos outros justos que atingiram a vida plena, numa comunhão fraterna de vida e de amor.
A questão que fica no ar – mesmo se não é formulada explicitamente – é: não vale a pena apostar incondicionalmente nesta experiência e vivê-la com entusiasmo?
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão e a actualização podem fazer-se a partir das seguintes linhas:
- A questão fundamental deste texto e do ambiente que o enquadra é propor-nos uma redescoberta da nossa fé e do sentido das nossas opções, a fim de superarmos a instalação, o comodismo e a preguiça que nos levam, tantas vezes, a uma caminhada cristã morna, sem exigências, sem compromissos, que facilmente cede e recua quando aparecem as dificuldades e os desafios…
- Jesus intimou-nos a superar a perspectiva de um Deus terrível, opressor, vingativo, de Quem o homem se aproxima com medo; em seu lugar, Ele apresentou-nos a religião de um Deus que é Pai, que nos ama, que nos convoca para a comunhão com Ele e com os irmãos e que insiste em associar-nos como “filhos” à sua família. Tenho consciência de que este é o verdadeiro rosto de Deus e que o Deus terrível, de quem o homem não se pode aproximar, é uma invenção dos homens?
ALELUIA – Mt 11,29ab
Aleluia. Aleluia.
Tomai o meu jugo sobre vós, diz o Senhor, e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração.
EVANGELHO – Lc 14,1.7-14
Naquele tempo, Jesus entrou, a um sábado, em casa de um dos principais fariseus para tomar uma refeição. Todos O observavam. Ao notar como os convidados escolhiam os primeiros lugares, Jesus disse-lhes esta parábola: «Quando fores convidado para um banquete nupcial, não tomes o primeiro lugar. Pode acontecer que tenha sido convidado alguém mais importante que tu; então, aquele que vos convidou a ambos, terá que te dizer: ‘Dá o lugar a este’; e ficarás depois envergonhado, se tiveres de ocupar o último lugar. Por isso, quando fores convidado, vai sentar-te no último lugar; e quando vier aquele que te convidou, dirá: ‘Amigo, sobre mais para cima’; ficarás então honrado aos olhos dos outros convidados. Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado». Jesus disse ainda a quem O tinha convidado: «Quando ofereceres um almoço ou um jantar, não convides os teus amigos nem os teus irmãos, nem os teus parentes nem os teus vizinhos ricos, não seja que eles por sua vez te convidem e assim serás retribuído. Mas quando ofereceres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos; e serás feliz por eles não terem com que retribuir-te: ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos.
AMBIENTE
Esta etapa do “caminho de Jerusalém” põe Jesus à mesa, em dia de sábado, na casa de um dos chefes dos fariseus. Deve tratar-se da refeição solene de sábado, que se tomava por volta do meio-dia, ao voltar da sinagoga. Para ela deviam convidar-se os hóspedes; durante a refeição, continuava-se a discussão sobre as leituras escutadas durante o ofício sinagogal.
Lucas é o único evangelista que mostra os fariseus tão próximos de Jesus que até o convidam para casa e se sentam à mesa com Ele (cf. Lc 7,36; 11,37). É provável que se trate de uma realidade histórica, embora Marcos e Mateus apresentem os fariseus como os adversários por excelência de Jesus (Mateus apresenta tal quadro influenciado, sem dúvida, pelas polémicas da Igreja primitiva com os fariseus).
Os fariseus formavam um dos principais grupos religioso-políticos da sociedade palestina desta época. Dominavam os ofícios sinagogais e estavam presentes em todos os passos religiosos dos israelitas. A sua preocupação fundamental era transmitir a todos o amor pela Torah, quer escrita, quer oral. Tratava-se de um grupo sério, verdadeiramente empenhado na santificação do Povo de Deus; mas, ao absolutizarem a Lei, esqueciam as pessoas e passavam por cima do amor e da misericórdia. Ao considerarem-se a si próprios como “puros” (porque viviam de acordo com a Lei), desprezavam o “am aretz” (o “povo do país”) que, por causa da ignorância e da vida dura que levava, não podia cumprir integralmente os preceitos da Lei.
Conscientes das suas capacidades, da sua integridade, da sua superioridade, não eram propriamente modelos de humildade. Isso talvez explique o ambiente de luta pelos lugares de honra que o Evangelho refere.
Convém, também, ter em conta que estamos no contexto de um “banquete”. O “banquete” é, no mundo semita, o espaço do encontro fraterno, onde os convivas partilham do mesmo alimento e estabelecem laços de comunhão, de proximidade, de familiaridade, de irmandade. Jesus aparece, muitas vezes, envolvido em banquetes, não porque fosse “comilão e bêbedo” (cf. Mt 11,19), mas porque, ao ser sinal de comunhão, de encontro, de familiaridade, o banquete anuncia a realidade do “reino”.
MENSAGEM
O texto apresenta duas partes. A primeira (vers. 7-11) aborda a questão da humildade; a segunda (vers 12-14) trata da gratuidade e do amor desinteressado. Ambas estão unidas pelo tema do “Reino”: são atitudes fundamentais para quem quiser participar no banquete do “Reino”.
As palavras que Jesus dirigiu aos convidados que disputavam os lugares de honra não são novidade, pois já o Antigo Testamento aconselhava a não ocupar os primeiros lugares (cf. Prov 25,6-7); mas o que aí era uma exortação moral, nas palavras de Jesus converte-se numa apresentação do “Reino” e da lógica do “Reino”: o “Reino” é um espaço de irmandade, de fraternidade, de comunhão, de partilha e de serviço, que exclui qualquer atitude de superioridade, de orgulho, de ambição, de domínio sobre os outros; quem quiser entrar nele, tem de fazer-se pequeno, simples, humilde e não ter pretensões de ser melhor, mais justo, ou mais importante que os outros. Esta é, aliás, a lógica que Jesus sempre propôs aos seus discípulos: Ele próprio, na “ceia de despedida”, comida com os discípulos na véspera da sua morte, lavou os pés aos discípulos e constituiu-os em comunidade de amor e de serviço – avisando que, na comunidade do “Reino”, os primeiros serão os servos de todos (cf. Jo 13,1-17).
Na segunda parte, Jesus põe em causa – em nome da lógica do “Reino” – a prática de convidar para o banquete apenas os amigos, os irmãos, os parentes, os vizinhos ricos.
Os fariseus escolhiam cuidadosamente os seus convidados para a mesa. Nas suas refeições, não convinha haver alguém de nível menos elevado, pois a “comunidade de mesa” vinculava os convivas e não convinha estabelecer obrigatoriamente laços com gente desclassificada e pecadora (por exemplo, nenhum fariseu se sentava à mesa com alguém pertencente ao “am aretz”, ao “povo da terra”, desclassificado e pecador).
Por outro lado, também os fariseus tinham a tendência – própria de todas as pessoas, de todas as épocas e culturas – de convidar aqueles que podiam retribuir da mesma forma… A questão é que, dessa forma, tudo se tornava um intercâmbio de favores e não gratuidade e amor desinteressado.
Jesus denuncia – em nome do “Reino” – esta prática; mas vai mais além e apresenta uma proposta verdadeiramente subversiva… Segundo Ele, é preciso convidar “os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos”. Os cegos, coxos e aleijados eram considerados pecadores notórios, amaldiçoados por Deus, e por isso estavam proibidos de entrar no Templo (cf. 2 Sm 5,8) para não profanar esse lugar sagrado (cf. Lv 21,18-23). No entanto, são esses que devem ser os convidados para o “banquete”.
Já percebemos que, aqui, Jesus já não está simplesmente a falar dessa refeição comida em casa de um fariseu, na companhia de gente distinta; mas está já a falar daquilo que esse “banquete” anuncia e prefigura: o banquete do “Reino”.
Jesus traça aqui, portanto, os contornos do “Reino”. Ele é apresentado como um “banquete”, onde os convidados estão unidos por laços de familiaridade, de irmandade, de comunhão. Para esse “banquete”, todos – sem excepção – são convidados (inclusive àqueles que a cultura social e religiosa tantas vezes exclui e marginaliza). As relações entre os que aderem ao banquete do “Reino” não serão marcadas pelos jogos de interesses, mas pela gratuidade e pelo amor desinteressado; e os participantes do “banquete” devem despir-se de qualquer atitude de superioridade, de orgulho, de ambição, para se colocarem numa atitude de humildade, de simplicidade, de serviço.
ACTUALIZAÇÃO
Para a reflexão, considerar as seguintes linhas:
- Na nossa sociedade, agressiva e competitiva, o valor da pessoa mede-se pela sua capacidade de se impor, de ter êxito, de triunfar, de ser o melhor… Quem tem valor é quem consegue ser presidente do conselho de administração da empresa aos trinta e cinco anos, ou o empregado com mais índices de venda, ou o condutor que, na estrada, põe em risco a sua vida, mas chega uns segundos à frente dos outros… Todos os outros são vencidos, incapazes, fracos, olhados com comiseração. Vale a pena gastar a vida assim? Estes podem ser os objectivos supremos, que dão sentido verdadeiro à vida do homem?
- A Igreja, fruto do “Reino”, deve ser essa comunidade onde se torna realidade a lógica do “Reino” e onde se cultivam a humildade, a simplicidade, o amor gratuito e desinteressado. É-o, de facto?
- Assistimos, por vezes, a uma corrida desenfreada na comunidade cristã pelos primeiros lugares. É uma luta – para alguns de vida ou de morte – em que se recorre a todos os meios: a intriga, a exibição, a defesa feroz do lugar conquistado, a humilhação de quem faz sombra ou incomoda… Para Jesus, as coisas são bastante claras: esta lógica não tem nada a ver com a lógica do “Reino”; quem prefere esquemas de superioridade, de prepotência, de humilhação dos outros, de ambição, de orgulho, está a impedir a chegada do “Reino”. Atenção: isto talvez não se aplique só àquela pessoa da nossa comunidade que detestamos e cujo nome nos apetece dizer sempre que ouvimos falar em gente que só gosta de mandar e se considera superior aos outros; isto talvez se aplique também em maior ou menor grau, a mim próprio.
- Também há, na comunidade cristã, pessoas cuja ambição se sobrepõe à vontade de servir… Aquilo que os motiva e estimula são os títulos honoríficos, as honras, as homenagens, os lugares privilegiados, as “púrpuras”, e não o serviço humilde e o amor desinteressado. Esta será uma atitude consentânea com a pertença ao “Reino”?
- Fica claro, na catequese que Lucas hoje nos propõe, que o tipo de relações que unem os membros da comunidade de Jesus não se baseia em “critérios comerciais” (interesses, negociatas, intercâmbio de favores), mas sim no amor gratuito e desinteressado. Só dessa forma todos – inclusive os pobres, os humildes, aqueles que não têm poder nem dinheiro para retribuir os favores – aí terão lugar, numa verdadeira comunidade de amor e de fraternidade.
- Os cegos e coxos representam, no Evangelho que hoje nos é proposto, todos aqueles que a religião oficial excluía da comunidade da salvação; apesar disso, Jesus diz que esses devem ser os primeiros convidados do “banquete do Reino”. Como é que os pecadores notórios, os marginais, os divorciados, os homossexuais, as prostitutas são acolhidos na Igreja de Jesus?
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 22º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 22º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. FAZER ECO DA PALAVRA.
Depois da comunhão (a mesa onde os pobres são reis…), poder-se-ia reler, em fundo musical, algumas passagens da liturgia da Palavra. Por exemplo: “cumpre todas as coisas com humildade…”; “vai sentar-te no último lugar…”; “convida aqueles que não têm nada para te retribuir…”
3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.
No final da primeira leitura:
“Deus criador e mestre do universo, proclamamos a grandeza do teu poder e, ao mesmo tempo, a humildade do teu Filho Jesus. Ele tornou-se pequeno para nascer entre os homens e aceitou a humilhação suprema, a da cruz.
Nós Te pedimos pelas nossas sociedades onde triunfam os dominadores e os poderosos. Que o teu Espírito nos impregne, que Ele nos livre do orgulho”.
No final da segunda leitura:
“Deus vivo, nós Te damos graças por Jesus, o mediador da nova Aliança, que nos introduziu na Jerusalém celeste e na assembleia dos santos e que inscreveu o nosso nome nos céus.
Nós Te confiamos todas as comunidades cristãs desencorajadas pela modéstia dos seus efectivos e pela falta de consideração”.
No final do Evangelho:
“Pai, Tu que nos convidas à mesa de teu Filho, nós Te damos graças porque nos chamas a avançar mais alto e nos elevas pela confiança que nos fazes e a estima que nos concedes, a nós que somos pecadores.
Nós Te recomendamos as nossas irmãs e irmãos que se ocupam das nossas sociedades, preparando-lhes a mesa e dando-lhes a sua dignidade”.
4. BILHETE DE EVANGELHO.
Jesus pode falar de gratuidade porque a sua vinda à terra é um dom gratuito de Deus, é uma graça, este amor gratuito, gracioso de Deus. E Deus não nos ama porque merecemos, mas porque não pode senão amar-nos, pois Ele é Amor. Então, Jesus pede ao homem, criado à imagem de Deus, para amar como Deus ama, isto é, gratuitamente, esperando ser declarado justo na ressurreição dos mortos. Trata-se de uma verdadeira revolução nas relações entre eles: pôr o dom em primeiro lugar e ter em resposta apenas a alegria de ter dado. Jesus vai mesmo ao ponto de declarar felizes aqueles que têm o sentido do gratuito nas suas relações humanas.
5. À ESCUTA DA PALAVRA.
Há muitos “manuais de boas maneiras” para saber como organizar uma festa, uma recepção, para que cada convidado se encontre à vontade à mesa, não se sinta ferido na sua honra – ou na sua vaidade! Hoje, Jesus dá-nos indicações de protocolo: “Quando fores convidado para um banquete nupcial, não tomes o primeiro lugar. Pode acontecer que tenha sido convidado alguém mais importante que tu; então, aquele que vos convidou a ambos terá de te dizer: ‘Dá o lugar a este’; e ficarás depois envergonhado, se tiveres de ocupar o último lugar”. Jesus não quer que soframos uma humilhação! Não vai longe o tempo em que, na Igreja, se dizia: “Para crescer em humildade, é preciso suportar humilhações!” Mas suportar humilhações leva geralmente a ser humilhado, mas não a se tornar humilde! Ora Jesus, precisamente, não quer que sejamos humilhados. Deseja mesmo que sejamos honrados. Ele veio para que cada um ganhe de novo a sua verdadeira dignidade, volte a manter-se de pé.
Mas, evidentemente, Jesus não se contenta em nos ensinar como nos comportarmos em sociedade. Ele convida-nos, na realidade, a um exercício de lucidez sobre nós próprios. Todos desejamos dar de nós mesmos uma imagem positiva, valorizadora.
Mas o que os outros percebem de mim não corresponde necessariamente ao que gostaria que eles vissem. E eu próprio vejo os outros a partir das minhas próprias impressões e sentimentos. Então, seguindo o meu temperamento, terei, por exemplo, um complexo de inferioridade, pensando ser um eterno compreendido. Desvalorizarme ei aos meus próprios olhos. Sentir-me-ei mal na própria pele. Ou terei um complexo de superioridade, seguro do meu valor. Procurarei mostrar-me, fazer-me ver, ocupar os primeiros lugares, com o risco de esmagar os outros e humilhá-los. Isso é da psicologia elementar? Mas Jesus sabe bem que a psicologia é importante.
Somente vai mais longe. Convida-nos a juntarmo-nos ao olhar de Deus sobre nós, sobre os outros. Só Ele é capaz de amar cada ser humano como ele é, porque só Ele nos olha unicamente e sempre à luz do seu amor. Colocarmo-nos nesta luz é ainda a melhor maneira de nos amarmos humildemente a nós mesmos para amar os outros em verdade.
6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
Pode-se escolher a Oração Eucarística II para Assembleias com Crianças.
7. PALAVRA PARA O CAMINHO…
Difícil questão… Com que critérios estabelecemos a lista dos nossos convidados quando preparamos uma refeição festiva? Decididamente, uma vez mais, a lógica de Jesus não é a nossa. Acontece convidarmos à nossa mesa pobres, estropiados, semabrigo, crianças perdidas nas ruas… mais que a nossa família, os amigos, as nossas relações de negócios? Difícil questão, que evitamos talvez tomar demasiado a sério. E se nesta semana a deixássemos ressoar um pouco em nós mesmos?
Grupo Dinamizador
Pe. Joaquim Garrido – Pe. Manuel Barbosa – Pe. Ornelas Carvalho