RITOS INICIAIS
ANTÍFONA DE ENTRADA: Sede a rocha do meu refúgio, Senhor, e a fortaleza da minha salvação. Para glória do vosso nome, guiai-me e conduzi-me.
Introdução ao espírito da Celebração
A liturgia deste 6.º Domingo do tempo comum faz-nos reflectir sobre a Lei de Deus e as implicações que a mesma tem nas nossas opções de vida. As leituras falar-nos-ão de liberdade, sabedoria, responsabilidade, morte, vida…
Só em Deus poderemos conseguir a luz e a força, para alcançarmos o procedimento ideal que nos conduzirá à verdadeira liberdade e à plena felicidade.
Porque nem sempre fomos fiéis ao Seu projecto, peçamos-Lhe humildemente perdão, com um firme propósito de obedecermos à Sua vontade.
Confessemos os nossos pecados.
ORAÇÃO COLECTA: Senhor, que prometestes estar presente nos corações rectos e sinceros, ajudai-nos com a vossa graça a viver de tal modo que mereçamos ser vossa morada. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
LITURGIA DA PALAVRA
Primeira Leitura
Monição: Deus criou o homem com plena liberdade. Ele não é coagido. Quotidianamente pode fazer opções que o colocarão perante a responsabilidade pela própria vida.
Ben-Sirá 15, 16-21 (15-20)
16Se quiseres, guardarás os mandamentos: ser-lhe fiel depende da tua vontade. 17Deus pôs diante de ti o fogo e a água: estenderás a mão para o que desejares. 18Diante do homem estão a vida e a morte: o que ele escolher, isso lhe será dado. 19Porque é grande a sabedoria do Senhor, Ele é forte e poderoso e vê todas as coisas. 20Seus olhos estão sobre aqueles que O temem, Ele conhece todas as coisas do homem. 21Não mandou a ninguém fazer o mal, nem deu licença a ninguém de cometer o pecado.
A leitura é tirada da primeira parte da obra didáctica e poética de Jesus ben Sirac, também chamado Sirácida, que veio a tomar o nome de Eclesiástico, por ter sido o livro do A. T. mais utilizado pela Igreja na instrução dos catecúmenos.
O texto da leitura enquadra-se dentro de um conjunto de ensinamentos práticos em ordem a alcançar a verdadeira sabedoria: «quem se dedica à Lei possuirá a sabedoria» (15, 1); e o final do capítulo 15 é a apologia da liberdade (vv. 11-21). Como diz o Concílio Vaticano II, «Deus quis «deixar o homem entregue à sua própria decisão» (Sir 15, 14), para que busque por si mesmo o seu Criador e livremente chegue à total e feliz perfeição, aderindo a Ele» (GS 17). A lei de Deus é o norte a orientar a liberdade humana, mas não no-la tira, como tão-pouco os sinais de trânsito; o que faz é proteger a nossa liberdade.
21 «Não mandou a ninguém fazer o mal, nem deu licença a ninguém de cometer o pecado». A verdade, porém, é que há situações em que se torna difícil cumprir toda a Lei de Deus, mas não se pode dizer que seja impossível, segundo explica Santo Agostinho, «“porque Deus não manda coisas impossíveis, mas ao mandar aquilo que manda, convida-te a fazer o que puderes e a pedir o que não puderes” e ajuda-te para que possas. “Os seus mandamentos não são uma carga” (1 Jo 5, 3), o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11, 30).» (Veritatis Splendor, 102)
Salmo Responsorial
Sl 118 (119), 1-2.4-5.17-18.33-34 (R. 1b)
Monição: O Salmo responsorial faz eco da primeira leitura: abre-nos o coração e ajuda-nos a renunciar às nossas expectativas e seguranças e faz-nos acolher os planos de Deus.
Refrão: DITOSO O QUE ANDA NA LEI DO SENHOR.
Felizes os que seguem o caminho perfeito
e andam na lei do Senhor.
Felizes os que observam as suas ordens
e O procuram de todo o coração.
Promulgastes os vossos preceitos
para se cumprirem fielmente.
Oxalá meus caminhos sejam firmes
na observância dos vossos decretos.
Fazei bem ao vosso servo:
viverei e cumprirei a vossa palavra.
Abri, Senhor, os meus olhos
para ver as maravilhas da vossa lei.
Ensinai-me, Senhor, o caminho dos vossos decretos
para ser fiel até ao fim.
Dai-me entendimento para guardar a vossa lei
e para a cumprir de todo o coração.
Segunda Leitura
Monição: A verdadeira sabedoria não nasce da confiança na própria capacidade, mas consiste em conhecer o projecto de Deus na atenção às inspirações do Espírito Santo.
1 Coríntios 2, 6-10
6Nós falamos de sabedoria entre os perfeitos, mas de uma sabedoria que não é deste mundo, nem dos príncipes deste mundo, que vão ser destruídos. 7Falamos da sabedoria de Deus, misteriosa e oculta, que já antes dos séculos Deus tinha destinado para a nossa glória. 8Nenhum dos príncipes deste mundo a conheceu; porque se a tivessem conhecido, não teriam crucificado o Senhor da glória. 9Mas, como está escrito, «nem os olhos viram, nem os ouvidos escutaram, nem jamais passou pelo pensamento do homem o que Deus preparou para aqueles que O amam». 10Mas a nós Deus o revelou por meio do Espírito Santo, porque o Espírito Santo penetra todas as coisas, até o que há de mais profundo em Deus.
A leitura é tirada da 1ª parte da Carta aos Coríntios, em que S. Paulo corrige uma série de desordens que havia na comunidade; a primeira delas eram as divisões que o Apóstolo atribui à procura duma sabedoria terrena, baseada na eloquência dos pregadores, quando o que Paulo pregava era uma sabedoria divina, a do plano salvador de Deus através da morte de Cristo na Cruz, que era «uma sabedoria entre os perfeitos, mas de uma sabedoria que não é deste mundo» (v. 6). Só a podiam entender «os perfeitos», isto é, os mais adiantados na perfeição, já com maior maturidade cristã, humana e sobrenatural. O Apóstolo não quer dizer que se trata de um grupo fechado deiniciados, como havia nas religiões mistéricas pagãs da época. Esta sabedoria é «misteriosa e oculta», o que não quer dizer que seja contrária à razão humana, mas, porque sendo sobrenatural, procede da Revelação divina, não estando ao alcance dos que não têm fé, embora sejam os donos do mundo: «os príncipes deste mundo».
8 «Não teriam crucificado o Senhor da glória». Não poderia ser mais clara a alusão à divindade de Jesus; como se não bastasse chamar-lhe Senhor (Kyrios, um título divino com que os LXX traduziram o nome divino de Yahwéh e com que a Igreja primitiva honrava a Jesus: Filp 2, 11), S. Paulo determina a sua qualidade de Senhor, a glória, que é um atributo divino, alusivo ao esplendor da majestade divina que refulge nas teofanias do AT (cf. Ex 40, 34-38; Ez 43, 2-5).
9 Temos aqui uma citação que não é literal de Isaías e Jeremias (Is 64, 3; 65, 17; Jer 3, 16), podendo ser feita através de algum targum (tradução livre aramaica), ou de algum apócrifo perdido. De qualquer modo, visa as maravilhas da graça e da glória.
10 «O Espírito Santo penetra todas as coisas, até o que há de mais profundo em Deus». Temos aqui um dos textos bíblicos mais expressivos da divindade do Espírito Santo, como pessoa distinta do Pai, uma verdade de fé que inicialmente teve dificuldade em se exprimir. Está implícita esta comparação: assim como só o homem sabe o que se passa nas profundezas do seu íntimo, assim também só o Espírito de Deus pode conhecer directamente o que há no abismo incomensurável e impenetrável de Deus (tà báthê tou Theou).
Aclamação ao Evangelho
Mt 11, 25
Monição: Observar a lei não significa reduzi-la a cultos de observâncias, mas exige uma contínua conversão interior que inspire o amor, a justiça, a misericórdia e as relações fraternas numa simplicidade de criança.
ALELUIA
Bendito sejais, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque revelastes aos pequeninos os mistérios do reino.
Evangelho *
* O texto entre parêntesis pertence à forma longa e pode ser omitido.
Forma longa: São Mateus 5, 17-37 Forma breve: São Mateus 5, 20-22a.27-28.33-34a.37
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: [17«Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim revogar, mas completar. 18Em verdade vos digo: Antes que passem o céu e a terra, não passará da Lei a mais pequena letra ou o mais pequeno sinal, sem que tudo se cumpra. 19Portanto, se alguém transgredir um só destes mandamentos, por mais pequenos que sejam, e ensinar assim aos homens, será o menor no reino dos Céus. Mas aquele que os praticar e ensinar será grande no reino dos Céus]. 20Porque Eu vos digo: Se a vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos Céus. 21Ouvistes que foi dito aos antigos: ‘Não matarás; quem matar será submetido a julgamento’. [22Eu, porém, digo-vos: Todo aquele que se irar contra o seu irmão será submetido a julgamento. Quem chamar imbecil a seu irmão será submetido ao Sinédrio, e quem lhe chamar louco será submetido à Geena de fogo. 23Portanto, se fores apresentar a tua oferta sobre o altar e ali te recordares que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, 24deixa lá a tua oferta diante do altar, vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão e vem depois apresentar a tua oferta. 25Reconcilia-te com o teu adversário, enquanto vais com ele a caminho, não seja caso que te entregue ao juiz, o juiz ao guarda, e sejas metido na prisão. 26Em verdade te digo: Não sairás de lá, enquanto não pagares o último centavo.] 27Ouvistes que foi dito: ‘Não cometerás adultério’. 28Eu, porém, digo-vos: Todo aquele que olhar para uma mulher desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração.29[Se o teu olho é para ti ocasião de pecado, arranca-o e lança-o para longe de ti, pois é melhor perder-se um dos teus membros do que todo o corpo ser lançado na Geena. 30E se a tua mão direita é para ti ocasião de pecado, corta-a e lança-a para longe de ti, porque é melhor que se perca um só dos teus membros, do que todo o corpo ser lançado na Geena. 31Também foi dito: ‘Quem repudiar sua mulher dê-lhe certidão de repúdio’. 32Eu, porém, digo-vos: Todo aquele que repudiar sua mulher, salvo em caso de união ilegal, fá-la cometer adultério.] 33Ouvistes ainda que foi dito aos antigos: ‘Não faltarás ao que tiveres jurado, mas cumprirás os teus juramentos para com o Senhor’.34Eu, porém, digo-vos que não jureis em caso algum: nem pelo Céu, que é o trono de Deus; 35nem pela terra, que é o escabelo dos seus pés; nem por Jerusalém, que é a cidade do grande Rei. 36Também não jures pela tua cabeça, porque não podes fazer branco ou preto um só cabelo. 37A vossa linguagem deve ser: ‘Sim, sim; não, não’. O que passa disto vem do Maligno».
Este texto do Evangelho pertence ao Sermão da Montanha de Mateus (Mt 5 – 7), logo a seguir às bem-aventuranças e declaração sobre o sal da terra e a luz do mundo. O evangelista vai ao encontro da expectativa messiânica, que esperava do Messias um intérprete definitivo da Lei de Moisés. Mas a verdade é que apresenta Jesus num plano superior a um simples intérprete autorizado da Lei, pois é apresentado ao mesmo nível de Deus. Jesus não revoga a Lei, mas apresenta-se com uma autoridade tal, que pode acrescentar ao que «foi dito» (entenda-se, por Deus), o que Ele agora determina: «Eu, porém, digo-vos» (passim).
17-18 «Não vim revogar…» Os preceitos dos livros do Antigo Testamento (Lei e Profetas), por serem divinamente inspirados, «conservam um valor perene» (Dei Verbum, 14), embora contenham coisas caducas e relativas a uma cultura e a um culto que não passava de uma preparação (uma sombra: Hebr ) para o novo culto centrado no sacrifício redentor de Cristo. Jesus não anula os preceitos morais do Decálogo, mas leva-os à sua perfeição: «vim completar». «Não passará da Lei a mais pequenina letra», o yod, a letra mais pequenina do alfabeto hebraico; naturalmente que Jesus se quer referir à lei moral, não aos aspectos rituais e jurídicos da Lei de Moisés.
20 «Se a vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus...» Não se trata da virtude da justiça que leva a «dar a cada um aquilo que lhe pertence». Aqui podia traduzir-se por «santidade»; a dos escribas é meramente externa e ritualista. «Entre eles, o cumprimento exato, minucioso, mas externo, dos preceitos tinha-se convertido numa garantia de salvação do homem diante de Deus: «se eu cumpri isto, sou justo, sou santo e Deus tem que me salvar». Com este modo de conceber a justificação, já não é Deus fundamentalmente quem salva, mas vem a ser o homem quem se salva pelas suas obras externas. (…) A justificação ou santificação é uma graça de Deus, com a qual o homem só pode colaborar secundariamente pela sua fidelidade a essa graça» (Bíblia de Navarra). Esta doutrina é o grande cavalo de batalha de S. Paulo contra os judaizantes (cf. Gal 3; Rom 2), pois ninguém se pode salvar, caso não supere esta típica noção de justificação própria dos escribas e fariseu, baseada nas obras, como Jesus graficamente deixou demonstrado na parábola do fariseu e do publicano (Lc 18, 9-14). Esta idéia judaica tinha como base a soberba humana, a auto-suficiência e conduzia fatalmente à falta de sinceridade e à hipocrisia que Jesus tanto lhes fustigou.
22 «Foi dito aos antigos… Eu, porém, digo-vos». A fórmula foi dito é uma típica expressão respeitosa para evitar pronunciar o nome divino (o chamado passivum divinum). É como se dissesse: «Deus disse… e Eu digo… », equiparando-Se a Deus.
A primeira palavra ofensiva, «imbecil» (em aramaico: «racá»), não tem a gravidade da segunda, «louco», que se podia traduzir por renegado, que implica uma ofensa verbal grave. A propósito desta passagem, comenta Sto. Agostinho: «devem-se notar três graus de faltas e de castigos. O primeiro: entrar em cólera por um movimento interno do coração, ao qual corresponde o castigo do juízo; o segundo: dizer alguma palavra de desprezo, que traz consigo o castigo do sinédrio; o terceiro: quando, deixando-nos levar pela ira até à obsessão, nós injuriamos desapiedadamente os nossos irmãos, o que é castigado com o fogo do Inferno» (Sermo Domini in monte, II, 9). Geena de fogo é uma forma simbólica de designar o Inferno; com efeito, a Geena ficava no vale de Henon, a Sul de Jerusalém, e era a lixeira da cidade a que se chegava o fogo e que ardia continuamente. Que significa a condenação eterna do Inferno também se pode ver em Mt 18, 8-9.
23-24 «Se fores apresentar a tua oferenda sobre o altar…» O Evangelho de S. Mateus é dirigido a cristãos vindos do judaísmo, por isso apresenta a fala de Jesus sem ter em conta o novo culto cristão, mas sim a realidade dos ouvintes imediatos de Jesus, que iam a Jerusalém levar oferendas ao templo. Esta maneira de falar é mais um sintoma do valor histórico do Evangelho que conserva a forma da pregação de Jesus e não a prática da comunidade cristã, numa altura em que o templo já estaria destruído.
27-30 «Todo aquele que olhar para uma mulher desejando-a», A Lei de Moisés proibia o desejar uma mulher casada (cf. Ex 20, 17); Jesus reprova todo o olhar pecaminoso dirigido a qualquer mulher. O desejo de que aqui se fala pressupõe o consentimento com a advertência na maldade desses actos impuros. Por olho direito e mão direita entendemos tudo aquilo que nos é mais caro, a que temos de estar dispostos a renunciar, para não ofender a Deus.
31-32 «Dê-lhe certidão de repúdio». Erradamente autores antigos na linha do judaísmo disseram que Deus, no Antigo Testamento, autorizou o divórcio como um direito do marido, o que não é certo. Quando muito, Deus apenas condescendeu com um mal corrente na época. Segundo a interpretação mais habitual, a Lei de Moisés aqui aludida (Dt 24, 1) limitou-se a impor algumas limitações a uns costumes abusivos; com efeito, se naquela época só o marido tinha o direito ao repúdio, a Lei exigia que fosse dada à mulher uma carta que a deixasse livre para poder contrair novas núpcias, o que já mitigava a inferioridade da mulher. Mas, segundo uma leitura mais plausível do texto de Dt 24, 1-4, o que a Lei pretende não é regulamentar o divórcio, mas proibir que a mulher repudiada, depois de casar com outro marido, voltasse para o primeiro marido; os vv. 1 a 3 de Dt 21 devem ser lidos como a prótase(se…, se…) e o v. 4 como a apódose (então…): «então o primeiro marido que a despediu não a poderá tomar de novo por sua mulher depois de se ter manchado, porque isso é uma abominação aos olhos do Senhor» (v. 4); sendo assim, a Lei de Moisés não legisla sobre o divórcio, apenas o considera essa hipótese.
32 «Salvo em caso de união ilegal». De modo algum Jesus quer fazer uma excepção à lei natural da indissolubilidade do matrimónio. S. Jerónimo, e com ele a interpretação habitual, entendeu esta cláusula – traduzida comosalvo no caso de fornicação (adultério) – como uma circunstância a ter em conta para legitimar a separação da mulher infiel, mas sem autorizar a nenhum dos dois a passagem a segundas núpcias; simplesmente, quando a razão da separação não tivesse a gravidade do adultério, o marido seria moralmente responsável duma posterior união adulterina da repudiada, por isso diz: «fá-la cometer adultério». A verdade é que a Igreja Católica nunca teve, desde os tempos apostólicos, qualquer dúvida sobre a indissolubilidade do matrimónio, mesmo nos casos mais graves de adultério sem possibilidades de reconciliação, ensinando mesmo esta doutrina solenemente na definição tridentina (cânon 7 do Sacramento do Matrimónio); as declarações de nulidade dos tribunais eclesiásticos não são uma dissolução de um matrimónio verdadeiro.
Os modernos estudos dos escritos rabínicos acabaram por dar uma explicação mais simples deste texto de S. Mateus (Bonsirven, Diez Macho e outros). Aquela cláusula exclusiva de S. Mateus, que a repete em 19, 9 –excepta fornicationis causa – não se deve traduzir por: «excepto no caso de adultério», mas sim «excepto no caso de união ilegítima» (a tradução litúrgica diz ilegal), isto é, excepto no caso de um matrimónio inválido por algum impedimento «dirimente». S. Mateus põe como excepção a porneia; ora ele distingue porneia de adultério, dito moíkheia (Mt 15, 19); por isso, se ele quisesse falar de adultério, teria usado esta segunda palavra grega. Mais ainda, se ele quisesse que entendêssemos porneia como adultério, não tinha sentido a frase, pois na época ainda estava vigente a pena de morte para a mulher adúltera (cf. Jo 8, 4-5), o que tornava inútil o divórcio e até impossível, pois tudo ficava resolvido com a execução. Os Judeus só depois do ano 80 d. C. é que deixaram de aplicar a pena de morte à adúltera.
S. Mateus tem no seu Evangelho esta cláusula, porque tinha presente a situação específica dos seus destinatários: eram cristãos vindos do judaísmo e ele quer que se reconheçam com força de impedimento dirimente do matrimónio as determinações do Levítico 18, 6-18 (consideradas como «leis noáquicas», isto é, de direito natural e portanto que obrigam até os não judeus). S. Mateus tem esta cláusula porque quer que não se considerem válidos os matrimónios que, apesar de certos graus de parentesco, o direito pagão considerava legítimos. Os rabinos também não consideravam matrimónio incestuoso o casamento que, nesses casos de parentesco faziam os prosélitos pelo facto de os julgarem desligados da família pagã (pois com o baptismo dos prosélitos e a circuncisão tornavam-se uma nova criatura). É tendo em conta esta situação que S. Mateus declara como porneia (em hebraico, zenút; em aramaico, zenú), isto é, matrimónio inválido, união ilegítima, os casos de pagãos ou prosélitos casados com esses impedimentos de consanguinidade, que legitimavam e exigiam a separação, para evitar o que se considerava um incesto. Portanto este texto evangélico torna-se muito claro: quem repudiar a sua mulher – excepto no caso de união ilegítima em que não houve verdadeiro vínculo matrimonial devido ao impedimento de consanguinidade – expõe-na a ser adúltera… Como se vê, esta cláusula não é supérflua, uma vez que o Evangelista não se limita a dizer excepto no caso de concubinato (como alguns traduzem), mas pretende abranger precisamente aqueles casos que a lei romana e até os rabinos consideravam matrimónios válidos, como se acabou de explicar.
33-37 Jurar é invocar a Deus como testemunha de uma coisa que se afirma ou se promete, a fim de dar garantia e valor ao que se diz, o que é, em si, uma coisa boa e com que se honra a Deus (cf. Jer 4, 2). O perjúrio, ou juramento falso, é pecado grave (cf. Êx 20, 7; Num 30, 3; Dt 23, 22). Os judeus tinham o costume de jurar por tudo e por nada, o que torna ridícula uma acção santa, revertendo em falta de respeito para com Deus, embora de sua natureza leve. Mas os judeus, por um respeito mal entendido. evitaram pronunciar o nome de Deus, invocando as criaturas mais de perto relacionadas com Ele: o céu, Jerusalém. o templo, etc. Jesus, ao dizer: não jureis de modo nenhum, não quer proibir todo o juramento, mas só quando isso não for estritamente exigido, e sobretudo quer inculcar a sinceridade sempre: «sim, sim; não, não!» Se partimos do princípio da sinceridade, há confiança mútua nas relações humanas e jurar torna-se coisa supérflua; jurar a torto e a direito é um sintoma da falta de sinceridade entre as pessoas.
Sugestões para a homilia
Inconsciência e sinais de Deus
A sabedoria revelada pelo Espírito
O caminho certo
Inconsciência e sinais de Deus
A liturgia deste domingo ensina-nos a atender à Palavra de Deus, que é actual.
Os caminhos da nossa vida são constantemente orientados por sinais: são os sinais de trânsito que nos advertem das dificuldades da estrada, os sinais em falésias que se podem desmoronar, os sinais em caminhos que não oferecem saída… Quando desobedecemos a essas sinaléticas corremos o risco de não termos saída ou pagarmos com a vida a nossa imprudência. Se atendêssemos a esses sinais estaríamos muito mais protegidos.
Existe também muita semelhança entre estes sinais e a sinalética de Deus como indicação segura para a nossa vida.
Deus criou-nos para que fôssemos livres e em responsabilidade pelos nossos próprios actos, a fim de que livremente construíssemos a nossa felicidade. Fomos colocados perante o fogo e a água, segundo o primeiro texto de hoje, tendo-nos sido concedida a independência de escolher o caminho que optávamos. A vida e a morte estão diante de todos, e a cada um será oferecido aquilo que escolher. O caminho da vida está marcado pelos mandamentos, o caminho da morte está indicado pelos vícios, paixões, desrespeito aos sinais do Pai, enfim, pela nossa própria inconsciência em corresponder à sabedoria do amor divino.
A sabedoria revelada pelo Espírito
Essa «sabedoria de Deus», de que nos fala a segunda leitura, não vem do conhecimento dado pelo mundo, mas brota do próprio Espírito Santo que a ensina àqueles que se deixam conduzir por Ele.
A sabedoria humana é incapaz de responder às interrogações sobre o sentido da nossa existência: o porquê da vida; o porquê da morte.
O Espírito Santo, dá-nos a conhecer o projecto amoroso de Deus, pensado desde o princípio do mundo para nos levar à Sua glória.
De posse desta verdadeira «sabedoria», do conhecimento deste «mistério», sabemos o que Deus está a realizar, por nós e para nós e ultrapassa tudo aquilo que possamos imaginar, todos os nossos desejos e esperanças, todas as nossas interrogações e expectativas.
Tal «sabedoria» aconselha-nos, também, a abrirmos o nosso coração e a nossa razão à actividade do Pai que, «de muitas maneiras», nos foi revelando tais planos, para se manifestarem plenamente na pessoa de Jesus e na sua mensagem, como indicação do caminho certo.
O caminho certo
O pleno cumprimento de tudo quanto estava escrito é-nos revelado por Jesus no Evangelho. Ele veio para aperfeiçoar a Lei, libertando-a dos abusos, das falsas interpretações e do legalismo, transformando-os numa relação de amor.
Jesus apresenta quatro exemplos do envolvimento da Lei de Deus na nossa vida. Ao falar da Lei Jesus fá-lo com a autoridade divina que Lhe é própria: «foi dito aos antigos…», «Eu digo-vos…». Abre, assim, novos caminhos de perfeição e exigência espiritual.
«Não matar» não se reduz apenas ao tirar a vida física das pessoas, mas implica as situações de todos quando matamos os outros dentro do nosso próprio coração: aqueles a quem não dirigimos a palavra, os que difamamos, caluniamos ou tiramos o bom nome e reputação, quando proferimos palavras ofensivas, nos irritamos ou deixamos dominar pelo ódio… Recomenda que não é o corpo que precisa de estar limpo, mas o próprio coração para poder amar; e a reconciliação conseguida com o irmão, que substitui todas as purificações exteriores.
Quanto ao adultério, Jesus insiste na interioridade e fidelidade matrimonial, apelando ao amor verdadeiro e leal. As pessoas que se deixam levar pelos instintos podem provocar graves problemas a si próprias, às suas famílias e aos outros, pelo que é preciso ter coragem para saber cortar pela raiz determinadas situações que possam vir a causar posteriores contratempos.
Jesus confirma que o matrimónio é indissolúvel. Não nos dá, todavia, o direito de condenar, humilhar ou isolar aqueles que, por qualquer motivo, falharam na sua vida conjugal. Quantos dramas, quantas dificuldades, quantos sofrimentos envolveram as separações matrimoniais. Temos, isso sim, que manifestar a ternura, o acolhimento e a compreensão que o próprio Jesus exprimiu em tais situações.
Por fim, Jesus diz-nos o que se deve entender quanto ao «juramento e a verdade». A necessidade de juramento é sinal de que a mentira e a desconfiança pervertem as relações humanas. Deus Pai apenas exige um relacionamento em que as pessoas sejam verdadeiras e responsáveis. Os discípulos de Jesus não pedem ao Mestre que justifique as suas exigências. Acreditam no amor do Pai e estão certos que este é o verdadeiro caminho da vida.
Saibamos nós percorrer este caminho sendo fiéis ao projecto de Deus, nosso Pai.
LITURGIA EUCARÍSTICA
Monição do ofertório
As oferendas que colocamos sobre o altar exprimem o desejo de uma presença activa, fraterna e reconciliadora com todos os nossos irmãos.
ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS: Concedei, Senhor, que estes dons sagrados nos purifiquem e renovem, para que, obedecendo sempre à vossa vontade, alcancemos a recompensa eterna. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
SANTO
Saudação da paz
Devemos procurar no cumprimento da Lei a inspiração para a justiça, a misericórdia, a compreensão e o amor, a fim de que, na nossa vida, existam relações de verdadeira fraternidade que nos levem a estar em paz connosco, com os outros e com Deus. Que seja esse o sentimento que nos leva a traduzir, neste sinal, o amor que dedicamos à observância da vontade de Deus Pai.
Monição da Comunhão
A comunhão do vosso Corpo e Sangue nos sirva de fortaleza para seguirmos caminhos com opções coerentes de vida atenta aos sinais da lei de Deus.
Sl 77(78),29-30
ANTÍFONA DA COMUNHÃO: O Senhor deu-lhes o pão do Céu: comeram e ficaram saciados.
ou
Jo 3,16
Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho Unigénito. Quem acredita n’Ele tem a vida eterna.
ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO: Senhor, que nos alimentastes com o pão do Céu, concedei-nos a graça de buscarmos sempre aquelas realidades que nos dão a verdadeira vida. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
RITOS FINAIS
Monição final
Fomos convidados a procurar os sinais que nos apontam para a verdadeira vida. Saibamos corresponder-lhes na liberdade que o Senhor nos concedeu, pedindo-Lhe a graça da docilidade à voz do Espírito Santo. Com a «sabedoria de Deus» saibamos tomar as melhores opções de vida e renunciar àquilo que nos afasta da responsabilidade em corresponder ao Seu amor de Pai.
HOMILIAS FERIAIS
6ª SEMANA
2ª Feira, 15-II: S. Cirilo e Metódio: O Evangelho da esperança.
Act 13, 46-49 / Lc 10, 1-9
Designou o Senhor setenta e dois discípulos e mandou-os em missão dois a dois a todas as cidades e lugares.
Esta cena repetiu-se no século IX com os irmãos Cirilo e Metódio, que partiram para evangelizar os povos eslavos (Oração).
João Paulo II fez um convite a todos os fiéis para participar na reevangelização da Europa: «O Evangelho da esperança precisa de ser diariamente anunciado e testemunhado. Esta é também a missão da Igreja hoje na Europa». «A Europa exige evangelizadores credíveis, cuja vida, em sintonia com a Cruz e ressurreição de Cristo, irradia a beleza do Evangelho» (Igreja na Europa, 45 e 49).
3ª Feira, 16-II: A ‘invasão do pecado’.
Gen 6, 5-8; 7, 1-5. 10 / Mc 8, 14-21
O Senhor viu que era grande sobre a terra a malícia e, do homem, os projectos do seu coração eram sempre e unicamente para o mal.
Depois do primeiro pecado, segue-se uma verdadeira ‘invasão do pecado’: «a corrupção universal como consequência do pecado (Leit.)» (CIC, 401).
Apesar de tal ambiente de corrupção, há um homem que é fiel e atrai as graças de Deus: Noé (Leit.). Esta ‘invasão do pecado’ continua também nos nossos tempos. Se Deus encontrar homens e mulheres fiéis desistirá do castigo sobre a humanidade. Em Fátima, a última parte do segredo mostrou que Nossa Senhora e as penitências dos fiéis evitaram grandes males para a humanidade.
4ª Feira, 17-II:As bênçãos de Deus.
Gen 8, 6-13. 20-22
Noé ergueu um altar ao Senhor, tomou animais puros e aves puras e ofereceu holocaustos sobre o altar.
«A oferenda de Noé é ‘agradável’ a Deus que o abençoa e, através dele, abençoa toda a criação (Leit.), porque o seu coração é justo e íntegro. Também ela ‘anda com Deus’» (CIC, 2569).
Jesus também abençoa o cego, devolvendo-lhe a vista através de sinais sensíveis: a saliva e a imposição das mãos: «È pela imposição das mãos que Jesus cura os doentes (Ev.) e abençoa as crianças. Este sinal da efusão omnipotente do Espírito Santo, guarda-o a Igreja nas suas epicleses sacramentais» (CIC, 699).
5ª Feira, 18-II: Um melhor conhecimento das acções de Deus.
Gen 9, 1-13 / Mc 8, 27-33
Jesus perguntou-lhes: E quem dizeis vós que eu sou? Pedro tomou a palavra: Tu és o Messias.
Também actualmente muitas pessoas ficariam atrapalhadas para responder a esta pergunta de Jesus (Ev.). Mas a maior ignorância será o desconhecimento de tantos mistérios sobrenaturais. O próprio S. Pedro não entendeu o valor salvífico da Paixão do Senhor, procurando impedi-lo. Pode vencer-se esta ignorância lendo o Novo Testamento.
È igualmente interessante conhecer o conteúdo da ‘Aliança Cósmica’ estabelecida com Noé: ajuda a conhecer melhor o valor dos animais (CIC, 2146-2148).
6ª Feira, 19-II: Os caminhos para o Céu.
Gen 11, 1-9 / Mc 8, 34-39
Vamos edificar para nós uma torre cujo cimo atinja os céus.
«Esta decisão manifesta o orgulho duma humanidade decaída que, unânime na sua perversidade, pretendia refazer por si mesma a própria unidade, à maneira de Babel (Leit.)» (CIC, 57).
O homem quer chegar à felicidade, sem a ajuda de Deus, mas o episódio da torre de Babel mostrou que isso era impossível. O nosso verdadeiro caminho é o indicado por Cristo: «Quem quiser salvar a sua própria vida, há-de perdê-la; mas quem quiser perder a vida por causa de mim há-de salvá-la» (Ev.).
Sábado, 20-II: A luz que provém da fé.
Heb 11, 1-7 / Mc 9, 2-13
Jesus transfigurou-se diante deles: as vestes tornaram-se brilhantes, muitíssimo brancas.
Esta cena é como um ícone da contemplação (RV Maria, 9). É muito importante levarmos à nossa oração pessoal os acontecimentos de cada dia, para conseguirmos ver mais claramente, com uma nova luz, o seu significado. É com a luz da fé que chegamos mais além: «A fé constitui a garantia dos bens que se esperam e a prova de que existem as coisas que não se vêem» (Leit.).
Também cada um de nós há-de procurar iluminar os caminhos da terra com a luz da nossa fé, para indicarmos aos outros os caminhos da vida eterna.
Celebração e Homilia: ANTÓNIO ELÍSIO PORTELA
Nota Exegética: GERALDO MORUJÃO
Homilias Feriais: NUNO ROMÃO
Sugestão Musical: DUARTE NUNO ROCHA