VI DOMINGO DO TEMPO DA PÁSCOA C – Eu vos deixo a paz!
Jo 14,23-29
Caros irmãos e irmãs,
Para este domingo a Liturgia da Palavra nos faz voltar ao Cenáculo. Por ocasião da Última Ceia, antes da sua paixão e a morte na cruz, Jesus diz aos seus discípulos: “Se alguém me ama, guarda a minha Palavra e meu Pai o amará, e nós viremos a ele, e faremos nele a nossa morada” (Jo 14, 23). E promete a eles o dom do Espírito Santo, que irá fazê-los recordar as suas palavras: “O Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito” (Jo 14, 26).
Estas expressões são dirigidas aos discípulos, mas podem também ser aplicadas a cada um de nós e fazem parte do discurso de despedida, pronunciado por Jesus durante a sua última ceia com os Apóstolos. Depois de apresentar a eles por estatuto o mandamento do amor (cf. Jo 13,1-17;13,33-35), vai agora explicar como eles se manterão, após a sua partida e a relação com Ele e com o Pai.
O texto ressalta a presença de Deus naquele que cumpre a vontade do Senhor. E o ato de crer só se completa no ato de amor a Jesus. Assim, amar, crer e guardar a palavra são quase sinônimos. Jesus deseja ser amado por nós, deseja de nós uma relação viva, comprometida, plena de risco e confiança, e na qual consagremos cada aspecto da nossa vida.
O relato evangélico também sublinha a promessa do Espírito Santo, aquele que vem completar o ensinamento de Cristo. Jesus lembra aos apóstolos que durante sua permanência entre eles lhe ensinara muitas coisas. Mas, quando vier o Espírito Santo, que o Pai enviará em seu nome, lhes ensinará todas as coisas (cf. v. 26). O Espírito tem a tarefa de despertar a memória dos Apóstolos, mas também cada cristão conta sempre com o auxílio do Espírito Santo, mesmo nas situações mais contraditórias e conflituosas, pois de toda crise vivida com amor e confiança em Deus, em sua providência, recebemos sempre um bem maior do que poderíamos esperar.
A missão de levar o anúncio do Evangelho a todo o mundo, Jesus promete que não permanecerão sozinhos: estará com eles o Espírito Santo, o Paráclito, que se colocará ao seu lado, aliás, estará neles, para os defender e apoiar. Jesus volta para o Pai, mas continua a acompanhar e a ensinar os seus discípulos mediante o dom do Espírito Santo. O Espírito Santo, efundido em nós com os sacramentos do Batismo e da Confirmação, age na nossa vida. Ele guia o nosso modo de pensar e agir e nos ajuda a viver os ensinamentos do Senhor e colocá-los em prática.
O evangelho também nos fala da paz. Disse Jesus: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou…”. Esta saudação de paz era dada, tanto no encontro como na despedida. A palavra paz aparece cinco vezes nos últimos capítulos do Evangelho de São João. Duas vezes antes da paixão e três outras vezes após a ressurreição, como um sinal a certificar a sua união e a sua amizade para com os seus discípulos. Jesus distingue entre sua paz e a paz do mundo. A sua paz é um dom, um presente, uma espécie de herança, derivada de sua partida. O objetivo dessa paz é evitar a perturbação do coração que invadirá os discípulos, bem como a timidez e o medo, ao se apresentarem perante as autoridades que condenaram Jesus à morte (cf. Mc 13,11). Por isso Jesus diz: “Que o vosso coração não se perturbe, nem se encha de medo” (Jo 14,27). A paz dada por Jesus é feita de amor, de diálogo, de entendimento e de colaboração. E é a fonte da mais serena alegria. Por isso, a Paz que Jesus transmite deve assumir o lugar da tristeza, do desânimo e da falta de confiança e até de fé dos discípulos.
Ser cristão é viver na paz. Não em uma paz sem compromisso e instável, como é, muitas vezes, a paz do mundo. A paz dada por Jesus é feita de amor. Jesus deixa a paz aos seus discípulos, paz diferente daquela a que o mundo oferece. A paz que Jesus nos traz baseia-se numa relação de amor com Ele. A paz que o Cristo nos propõe não significa uma vitória sobre os adversários, mas uma vitória do homem sobre si mesmo, ao deixar-se vencer, conquistado por Aquele que nos amou e se entregou por nós, vencido na cruz, mas vitorioso na ressurreição.
E como se constrói a paz? Já nos diz o profeta Isaías: “A paz será obra da justiça” (Is 32,17), de uma justiça praticada e vivida. E o Novo Testamento nos ensina que o pleno cumprimento da justiça é amar o próximo como a nós mesmos (cf. Mt 22,39). E São Paulo nos indica as atitudes necessárias para fazer a paz: “Revesti-vos de sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se alguém tiver razão de queixa contra outro. Tal como o Senhor vos perdoou, fazei-o vós também” (Cl 3,12-13). Estas são as atitudes que devemos praticar para sermos construtores da paz.
A paz é dom de Deus, porque Ele, com o seu Espírito, pode imprimir estas atitudes nos nossos corações e na nossa carne, e fazer de nós verdadeiros instrumentos da sua paz. A paz é dom de Deus, porque é fruto da sua reconciliação conosco. Somente quando o homem se reconcilia com Deus é que ele se torna um obreiro de paz.
Na Carta de São Paulo aos Gálatas lemos: “Mas o fruto do Espírito é paz…” (Gl 5,22). O amor e a alegria, que são os primeiros frutos do Espírito Santo, têm como efeito cumular a alma de uma paz inabalável. Esta é a paz que o Apóstolo Paulo tão ardentemente deseja aos primeiros cristãos: “Que a paz de Cristo reine nos vossos corações” (cl 3,15).
A paz está também relacionada com o dom total, definitivo e supremo do que Deus concede aos homens através de Jesus Cristo. Em razão disto Deus e Jesus Cristo aparecem nomeados com expressões semelhantes: “O Deus da paz” (Rm 15,33; Nm 13,20) e “o Senhor da paz” (2Ts 3,14). Mais propriamente ainda se diz de Cristo: “Ele, de fato, é a nossa paz” (Ef 2,14) e no mesmo contexto será chamado “aquele que opera ou realiza a paz” (Ef 2,15.17).
Pronunciada por Jesus, a palavra paz se reveste ainda de um significado de extraordinária eficácia, na própria saudação: “A paz esteja convosco” (cf. Lc 24,36; Jo 20,19.26). É importante notar que a mesma força de anúncio e de comunicação da salvação se encontra na idêntica saudação com que os discípulos imitam Jesus em seus ministérios (cf. Mt 10,13; Lc 10,5-6). Não se trata de um simples desejo ou cumprimento social, mas, na verdade, da proclamação e oferecimento dos bens relacionados com a paz messiânica. Para Jesus esta paz é algo tão objetivo e concreto que irá permanecer naqueles dispostos a acolhê-la; e, ao contrário, ela “voltará” para o discípulo, caso seja recusada (Mt 10,3; Lc 10,5-6).
A paz prometida por Jesus é sentida onde a vontade de competir, de dominar, de ocupar os primeiros lugares cede lugar ao serviço e ao amor desinteressado pelos últimos. A paz do mundo muitas vezes se apresenta como fruto de vitórias sobre os inimigos, mas a paz de Cristo ocorre quando somos tocados pela virtude do seu amor e quando não somos contaminados pelo pecado e pelo erro.
Viver esta paz e torná-la presente entre nós, anunciá-la aos que a desconhecem, é a exigência fundamental da fidelidade dos discípulos de Cristo. A missão de evangelizar, anunciar Jesus e sua obra, anunciar a chegada do Reino, sempre foi entendida pela Igreja como o anúncio e a necessidade de se construir a comunidade cristã como uma comunidade da paz. Paz é uma palavra profética por excelência! Paz é o sonho de Deus, é o projeto de Deus para a humanidade, para a história, com toda a criação.
Peçamos a intercessão da Virgem Maria, Mãe de Deus e nossa, para que possamos ser todos os dias os eficazes portadores da paz. E ela, a quem invocamos com o título de Rainha da paz, possa sempre nos conduzir ao seu filho Jesus, o príncipe da paz. Assim seja.
- Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ.