Roteiro Homilético – IV Domingo de Páscoa – Ano C

IV DOMINGO DO TEMPO DA PÁSCOA C – O Bom Pastor

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Jo 10, 27-30

 

Caros irmãos e irmãs,

 

Este quarto domingo da Páscoa nos apresenta Jesus como o Bom Pastor.  O trecho evangélico traz estas palavras de Jesus: “As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem. Eu dou-lhes a vida eterna e elas jamais se perderão. E ninguém vai arrancá-las de minha mão. Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos, e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai. Eu e o Pai somos um” (Jo 10,27-30).  São quatro versículos que resumem a mensagem de Jesus e nos faz compreender o sentido e o significado da figura do Pastor, que é o tema central apresentado pela Liturgia da Palavra deste domingo.

 

A imagem do pastor vem de longe. No Antigo Oriente, os reis costumavam designar-se a si mesmos como pastores dos seus povos. No Antigo Testamento, Moisés e Davi, antes de serem chefes e pastores do Povo de Deus, foram efetivamente pastores de rebanhos. Nas dificuldades do período do exílio, diante do fracasso dos pastores de Israel, isto é, dos chefes políticos e religiosos, o profeta Ezequiel traçou a imagem do próprio Deus como Pastor do seu povo. Através do profeta, Deus disse: “Como o pastor se preocupa com o seu rebanho… assim me preocuparei com o meu” (Ez 34,12).

 

O próprio Deus é apresentado no salmo 23 como pastor de seu povo: “O Senhor é meu pastor, nada me falta” (Sl 23,1). E o salmo 95 continua: “Ele é nosso Deus e nós, o povo de seu rebanho” (Sl 95,7). O futuro Messias também é descrito com a imagem do pastor: “Como o pastor, ele pastoreia seu rebanho; recolhe em braços os cordeirinhos, leva-os no seio e trata com cuidado os recém-nascidos” (Is 40,11).  Como de fato, esta imagem ideal de pastor encontra sua plena realização em Cristo. Ele é o bom pastor que se compadece do povo porque o vê “como ovelhas sem pastor” (Mt 9,36). E Pedro identifica Jesus como “o pastor de nossas almas” (1Pd 2,25) e a Carta aos Hebreus, faz uma referência a Cristo como “o grande pastor das ovelhas” (Hb 13,20).

 

O evangelho apresenta apenas uma parte do grande discurso de Jesus sobre os pastores. Neste relato, o Senhor Jesus faz referências a algumas situações a respeito do verdadeiro pastor: ele dá a própria vida pelas suas ovelhas; ele as conhece e elas o conhecem. A frase que com grande vigor permeia todo o discurso sobre os pastores é esta: “O pastor dá a vida pelas suas ovelhas” (Jo 10,11). O mistério da Cruz encontra-se no centro do serviço de Jesus como pastor. Este é o grande serviço que ele presta a todos nós. Ele entrega-se a si mesmo, e não apenas num passado longínquo. Na sagrada Eucaristia, realiza isto todos os dias, doando-se a si mesmo mediante as mãos dos sacerdotes. Por isso, justamente, no âmago da vida sacerdotal encontra-se a celebração eucarística, onde o sacrifício de Jesus na cruz permanece contínua e realmente presente no meio de nós.

 

E Jesus ainda diz: “Minhas ovelhas escutam minha voz; eu as conheço e elas me seguem” (v. 27). Nesta frase, são duas relações que parecem totalmente diferentes e encontram-se entrelaçadas uma com a outra: a relação entre Jesus e o Pai; e a relação entre Jesus e as ovelhas que lhe são confiados.  Em certos países, as ovelhas são criadas especialmente para a carne, em Israel se criavam, sobretudo, visando a lã e o leite. Por isso, permaneciam anos e anos em companhia do pastor, que acabava por conhecer o caráter de cada uma e passava a chamá-la com algum afetuoso apelido. Neste sentido, o pastor conhece as suas ovelhas e as suas ovelhas o conhecem. Jesus busca esta inspiração para mostrar a sua unidade com o Pai.  Trata-se de uma relação pessoal profunda. Um conhecimento do coração, próprio de quem ama e de quem é amado; de quem é fiel e de quem sabe que, por sua vez, se pode confiar. Um conhecimento de amor, em virtude do qual, é comparado com a imagem do pastor dedicado às suas ovelhas.

 

Grande parte da Judéia era uma planície de solo áspero e pedregoso; devido a erva escassa, o rebanho deveria ser transferido continuamente; não havia cercas e isso exigia a constante presença do pastor atento aos movimentos de seu rebanho. O pesadelo dos pastores de Israel eram os animais selvagens, lobos, hienas e salteadores. Em lugares tão isolados, constituíam uma ameaça constante. Era o momento em que se evidenciava a diferença entre o verdadeiro pastor e o assalariado, que se põe ao serviço de algum pastor só pelo pagamento que dele recebe. Frente ao perigo, o mercenário foge e deixa as ovelhas sob a ameaça do lobo ou do malfeitor; o verdadeiro pastor enfrenta o perigo para salvar o rebanho. Isso explica porque a liturgia nos propõe o Evangelho do bom pastor no tempo pascal. A Páscoa foi o momento em que Cristo demonstrou ser o bom pastor, porque na cruz, ele deu a vida pelas suas ovelhas.

 

As ovelhas, por sua vez, devem escutar a voz do Pastor e segui-lo (cf. v. 27). Isto significa que fazer parte do rebanho de Jesus é aderir a Ele, escutar as suas propostas, comprometer-se com Ele e, como Ele, entregar-se sem reservas numa vida de amor e de doação ao Pai e também aos irmãos. E nós, como ovelhas de Jesus, também precisamos “escutar a sua voz” e segui-lo… E devemos diferenciar a “voz” de Jesus, o nosso Pastor, de outros apelos através de um confronto permanente com a sua Palavra e através da participação nos sacramentos.

 

Nos dias atuais podemos ouvir a voz do Senhor e reconhecê-lo através da pregação dos Apóstolos e dos seus sucessores.  Nessa pregação ressoa a voz de Cristo, que chama à comunhão com Deus e à plenitude da vida.  E neste domingo em que também celebramos o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, todos os fiéis são exortados a rezar de modo particular para as vocações sacerdotais e também para a vida consagrada.  Ainda hoje o Senhor continua chamando muitos pelo nome, como fez um dia com os Apóstolos na margem do Lago da Galileia, para que se tornem “pescadores de homens”, isto é, seus colaboradores mais diretos no anúncio do Evangelho e no serviço do Reino de Deus.

 

A Igreja antiga encontrou na escultura e nos ícones do seu tempo a figura do pastor que carrega uma ovelha nos próprios ombros. Para os cristãos, esta figura tornou-se, com toda naturalidade, a imagem daquele que foi à procura da ovelha perdida e a levou de volta ao redil.  Por isto, peçamos também hoje ao Cristo Bom Pastor, para que, em nossas fraquezas e em nossas provações, e nas vezes em que também sentirmos perdidos e sem rumo, Ele também nos ampare e nos conduza de volta, nos carregue em seus ombros e nos faça retomar ao bom caminho, ao caminho da perfeição e da santidade.  Que Ele também possa conceder o dom da perseverança a todos os sacerdotes e sejam fiéis às suas promessas e assimilem dia após dia os mesmos sentimentos e as atitudes de Jesus Bom Pastor.

 

E que a Virgem de Nazaré, a Mãe do Bom Pastor, Ela, que respondeu prontamente o chamado de Deus dizendo: “Eis aqui a escrava do Senhor” (Lc 1,38), nos ajude a acolher com alegria e disponibilidade o convite de Cristo para sermos os bons trabalhadores da sua vinha  (cf. Mt 20,1-16). Que ela vele todos os dias por cada um de nós e nos proteja de todos os perigos. Ela é a Virgem do Sim. Ela também, como mãe, aprendeu a reconhecer a voz de Jesus, desde quando o trazia no seu ventre. Que ela também possa nos ajudar a reconhecer cada vez melhor a voz de Jesus, o Bom Pastor, que nos chama a segui-lo pelo caminho do bem.  Assim seja.

 

  1. Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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