Gn 2,18-24
Sl 127
Hb 2,9-11
Mc 10,2-16
Homilia I
Neste domingo, a Palavra de Deus trata do matrimônio e de sua indissolubilidade. Eis aqui um tema que se tornou tabu nos tempos atuais e, por isso mesmo, precisa ser tratado com toda clareza pelos cristãos… Afinal, se o Evangelho não for sal e luz, para que serve?
Comecemos com o plano de Deus, descrito no Gênesis de modo figurado, como as parábolas que Jesus contava. São textos que não devem ser tomados ao pé da letra! Se lermos com atenção, perceberemos algo muito belo: Deus, à medida que vai criando, vê que tudo é bom… Ao criar o ser humano, vê que “era muito bom” (Gn 1,31). Mas, há algo na criação que o Senhor Deus viu que não era bom: “Não é bom que o homem esteja só”. Se o ser humano é imagem do Deus-Trindade, ele não foi criado para a solidão, mas deve viver em relação com outros: “Vou dar-lhe uma auxiliar que lhe seja semelhante”. Notemos os detalhes tão belos da criação da mulher: (1) “O Senhor Deus fez cair um sono profundo sobre Adão”. Por quê? Para ficar claro que o homem não participou da criação da mulher; esta é tão obra de Deus quanto aquele. (2) “Tirou-lhe uma das costelas e fechou o lugar com carne. Da costela tirada de Adão, o Senhor Deus formou a mulher”. A imagem é bela: tirada do lado do homem, como companheira e igual! (3) “E Adão exclamou: ‘Desta vez sim, é osso de meus ossos e carne da minha carne!’” É a primeira vez que o homem falou, na Bíblia! E sua palavra foi uma declaração de amor… não a Deus, mas à mulher que o Senhor Deus lhe dera de presente: osso de meus ossos, carne de minha carne… parte de mim, cara metade, outro lado do meu coração! E, finalmente, o preceito de Deus, inscrito no íntimo do coração humano pelo próprio Criador: “O homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne”. Pronto! Esta é o sonho de Deus para o amor humano!
Já aqui há três observações a serem feitas: (1) o laço de amor entre o homem e a mulher é superior a qualquer outro laço, inclusive aquele que liga pais e filhos: o homem e a mulher deixarão pai e mãe para ir ao encontro de sua esposa, de seu esposo. (2) Esta união, no sonho original de Deus, envolve a pessoa toda, corpo e alma: “serão uma só carne”! É uma união completa, abrangente, total: serão um só coração, um só sonho, uma só conta bancária, uma só casa, um só futuro, um só destino! (3) A relação matrimonial, no sonho de Deus, é uma relação entre um homem e uma mulher. Por isso mesmo, jamais os cristãos poderão equiparar a união entre homossexuais ao matrimônio! O respeito às pessoas homossexuais é dever de todos nós; o respeito pela consciência dessas pessoas, que têm o direito de dar o rumo que acharem justo às suas vidas, é obrigação nossa, é gesto de amor que Jesus espera de seus discípulos. Mas, equiparar a relação matrimonial a qualquer outra relação afetiva, sobretudo homossexual, nunca! Por fidelidade a Cristo, nunca! Por respeito ao plano de Deus, jamais! Hoje, no Direito, há uma forte corrente aqui no Brasil, que considera como sendo família qualquer união simplesmente afetiva: não importa se a união é entre marido e mulher, entre amigos ou entre duas pessoas do mesmo sexo. Para nós cristãos, tal concepção é inaceitável! A família, para nós, não é uma realidade simplesmente natural, mas tem sua raiz no próprio plano de Deus. A família é uma realidade também teológica! É preciso escutar o que Deus tem a dizer sobre a família! O problema é que nossa sociedade já não é cristã; é pagã e pensa e age como pagã; é atéia e age como se Deus não existisse… Nossa sociedade acha que o homem é a medida de todas as coisas, o senhor do bem e do mal, do certo e do errado. Isso é absolutamente inaceitável para o cristão!
Agora podemos compreender a palavra de Jesus no Evangelho! Naquele tempo havia o divórcio… E Jesus, que é tão misericordioso, condena sua prática: “Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés” permitiu o divórcio! “No entanto, no princípio da criação Deus os fez homem e mulher… Já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe!” É uma palavra que parece dura, e os próprios discípulos tiveram dificuldades em compreender… como muitíssimos a têm hoje em dia. Compreendamos! Jesus veio para reconduzir este mundo ferido pelo pecado ao plano original de Deus. Ora, o sonho de Deus para o amor conjugal é que ele seja uma entrega total e plena, no amor indissolúvel, fiel e fecundo. Este é o ideal que Jesus aponta aos seus discípulos! Na perspectiva de Jesus, o divórcio é contrário ao plano de Deus para o amor humano! Por isso mesmo, o matrimônio abraçado por um cristão e uma cristã, no Senhor Jesus, é indissolúvel! Aqui é preciso deixar claro que a Igreja não tem autoridade para ensinar ou fazer diferente! Seria trair o Senhor! Surgem, no entanto, algumas questões sérias e graves:
(1) Como prometer amor por toda a vida, se nosso coração é inconstante? Primeiramente é necessário recordar que o matrimônio cristão somente pode ser abraçado na fé, sabendo os esposos que jamais a graça de Cristo lhes faltará. Com toda certeza, o Senhor haverá de conduzir os esposos no caminho do amor. Isto, no entanto, de modo algum, dispensa os esposos de cultivarem esse amor, com o diálogo, os gestos de carinho e de perdão, de compreensão e de atenção. Amor não é só sentimento: o amor não nasce de repente, não é fatal, não é cego, nem morre de repente. O amor pode e deve ser cultivado, cuidado. Como dizia São João da Cruz: “Onde não há amor, semeia amor e colherás amor”. A grande ilusão do mundo atual é pensar que o amor se reduz a sentimento, que não precisa ser cuidado nem cultivado! Confunde-se amor com paixão!
(2) Como fazer uma aliança para sempre, se esta depende não só de mim, mas também da outra pessoa? A questão é séria e, para nós, cristãos, deve ser pensada na fé. O matrimônio entre cristãos é sinal, é sacramento, do amor entre Cristo e a Igreja. São Paulo explica este mistério de modo belíssimo no capítulo quinto da Carta aos Efésios: marido e mulher devem se amar como Cristo e a Igreja (cf. Ef 5,21-32). Ora, este amor foi selado na Cruz e na ressurreição; é amor pascal, amor que envolve morte e vida! A indissolubilidade não deveria ser vista como um fardo, mas como uma proposta de um Deus que crê no homem que criou; um Deus que nunca brinca com o amor, um Deus que aposta na nossa capacidade, quando aberta à sua graça! Ora, este amor-doação matrimonial, imagem daquele outro, entre Cristo e a Igreja, certamente terá a marca da Cruz. As dificuldades conjugais, para o cristão, têm o nome de cruz, Cruz que, assumida com amor e por amor, é transformada em alegria e plenitude de ressurreição. Aqui não se trata somente de palavras bonitas, mas de uma realidade impressionante: quem capitula, quem desiste ante as dificuldades, nunca plantará um amor no sentido cristão! A presença de Cristo na união conjugal não exclui as crises, as dificuldades, a incompatibilidade de temperamentos e até mesmo os erros na escolha do cônjuge! Mas tudo isso, por quanto doloroso possa ser, pode se tornar, em Cristo, um modo libertador e eficaz de participar com generosidade e desapego da Cruz do Senhor e caminho de felicidade! “Loucura! Insanidade! Demência!” – dirá o mundo! Mas, a linguagem da cruz é loucura para o mundo! A sabedoria da Cruz é tolice para o mundo! Nunca esqueçamos isso! Mas, para quem crê, é poder de Deus e sabedoria de Deus! (cf. 1Cor 1,18; 3,18-20). O problema é que as pessoas casam como os cristãos, mas não creem nem vivem como os cristãos! Que fique bem assentado: o sonho de Deus em Cristo para o matrimônio é a indissolubilidade!
(3) E os nossos irmãos e irmãs que fracassaram na aliança conjugal e estão numa nova união? É uma situação dolorosa. Se são cristãos de verdade, a coisa é primeiramente difícil para eles. Não nos compete julgar suas intenções e sua história! Compete-nos respeitá-los e acolhê-los com espírito fraterno, ajudando-os a viver esta nova união do melhor modo possível. Isto, no entanto, não significa aprovação da separação nem da nova união. Mas, simplesmente, respeito pela história, pela consciência e pelo mistério da vida e das opções de cada irmão e de cada irmã. Mesmo porque, quem estiver sem pecado, que atire a primeira pedra. Cuidado, irmãos: não coloquemos fardos na vida dos outros!
Que o Senhor socorra as famílias e fortaleça no amor os esposos cristãos, fazendo-os simples como as crianças, capazes de acolher a proposta do Cristo para o matrimônio e que, nas dificuldades, recordem-se que Cristo, autor da nossa salvação, também foi levado à consumação passando pelos sofrimentos. Que nossos sofrimentos, unidos aos dele, sejam semente e penhor de vida eterna. Amém.
Henrique Soares da Costa