Homilia do D. Anselmo Chagas de Paiva – V Domingo da Quaresma – Ano B

O grão de trigo que cai na terra e morre

Jo 12,20-33

Caros irmãos e irmãs,

Muito oportunamente a liturgia nos faz meditar um texto do Evangelho de São João para este quinto domingo da Quaresma, enquanto se aproximam os dias da Paixão do Senhor. Na medida em que peregrinamos para o fim desse tempo quaresmal, vai adquirindo figura mais nítida a meta que ela propõe: A celebração da Páscoa do Senhor.  O texto evangélico que a Liturgia da Palavra nos propõe para este domingo nos permite ver como Jesus viveu interiormente o aproximar-se da “sua hora”.  Em sua alma começou já a agonia do Getsêmani: “Agora sinto-me angustiado” (v. 27), mas sobretudo pelas palavras por Ele pronunciadas: “Pai, glorifica o teu nome”, o que indicam que a morte de Cristo é a uma prefiguração do mistério pascal, onde se realiza a sua própria glorificação. 

Falando da sua já próxima morte gloriosa, Jesus usa ainda uma imagem simples e ao mesmo tempo sugestiva, tendo como referência o ambiente agrícola, refere-se ao grão de trigo para nos transmitir um ensinamento que põe luz, antes de tudo, em seu caso pessoal, e depois também no de seus discípulos: “Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz muito fruto” (v. 24).  Jesus compara-se a si mesmo com um grão de trigo que se desfaz, para produzir muitos frutos para todos. 

Neste contexto, temos uma importante lição sobre o valor da renúncia e da mortificação. O que Jesus está dizendo é principalmente o anúncio de sua morte e ressurreição.  É Ele esse divino grão de trigo, que vai cair no solo da morte, mas vai ressuscitar e dar vida a um infinito número de fiéis. O grão de trigo, para se transformar em espiga, deve desaparecer debaixo da terra.  Ao ser colocada debaixo da terra, a semente parece perder-se e morrer, mas em seguida, aquecida pelos raios do sol, reaparece multiplicada em uma espiga que anuncia a vitória da vida.  

Se o grão de trigo quer dar fruto, é preciso que ele passe pela terra onde vai apodrecer, mas o seu percurso sequencia fazendo surgir frutos. Jesus quer dar a vida, Ele escolhe passar pela morte, dando então a maior prova de seu amor pela humanidade.

Sabemos que o grão enterrado na terra sofre uma profunda transformação. O seu invólucro exterior deve rebentar e acabar por desaparecer para que o germe, até então escondido, possa crescer e produzir novos grãos. Na morte de Jesus acontece o desabrochar da Ressurreição. 

Mas a história do pequeno grão de trigo ajuda também, em outro versículo, a entender a nós mesmos e o sentido de nossa existência. Depois de ter falado de trigo, Jesus acrescenta: “Pois aquele que quiser salvar a sua vida vai perdê-la, mas o que perder a sua vida por causa de mim vai encontrá-la” (Mt 16, 25). Cair em terra e morrer não é, portanto, só o caminho para dar fruto, mas também para “salvar a própria vida”, isto é, para seguir vivendo. 

A morte é a capacidade do grão liberar a vida que possui. Podemos constatar a lógica humilde e paciente do grão de trigo que se abre para dar a vida. Jesus é o grão de trigo semeado para que nossa fome possa ser saciada. E através de Jesus Cristo presente no Sacramento da Eucaristia, Deus quer continuar a renovar a humanidade. Mediante o pão e o vinho consagrados, nos quais estão realmente presentes o seu Corpo e o seu Sangue, Cristo nos transforma, tornando-nos capazes, pela graça do Espírito Santo, de viver segundo a sua própria lógica de entrega, como grãos de trigo unidos a Ele e nele.

É necessário que Jesus, grão de trigo, que se faz Eucaristia, morra e dê fruto, e este fruto somos todos nós que nele acreditamos e nele temos a vida eterna. Jesus entregará ao Pai a sua vida, para frutificar em salvação para nós, para que possamos vê-lo, contemplá-lo e experimentá-lo como nossa Luz e nossa Vida.  É o próprio Cristo que está conosco, pois Ele mesmo disse: “Eis que Eu estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 28,20)

O pão, formado por muitos grãos de trigo, e o vinho, feito pela união de muitas uvas, encerram também um sentido de união: tornam-se pão os grãos moídos, tornam-se vinho as uvas esmagadas graças à união, unificação. Tudo isto indica também que nós, participantes do Banquete Eucarístico, por mais numerosos que sejamos, devemos nos tornar um só pão, um só vinho, quer dizer, devemos formar, unidos em Cristo, um só corpo, como nos diz São Paulo: “Uma vez que há um só pão, nós embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos nós comungamos do mesmo pão” (1Cor 10,17).

No cenário evangélico temos ainda uma referência a alguns gregos que vieram a Jerusalém adorar a Deus no Templo; mas quiseram encontrar-se com Jesus, tomar contato com a salvação que Ele veio oferecer. Com isto, o autor do Quarto Evangelho sugere que o Templo e o culto antigo já não são mais os lugares onde o homem encontra Deus e a salvação; agora, quem estiver interessado em encontrar a verdadeira salvação deve dirigir-se ao próprio Jesus.

Estes homens gregos não se dirigem diretamente a Jesus, mas aos discípulos. Haverá aqui, talvez, um aceno à responsabilidade missionária da comunidade de Jesus, encarregada da missão de levar Jesus a todos os povos da terra. O fato de Filipe falar primeiro com André e só depois os dois irem contar o que se passa a Jesus, reflete a dificuldade com que as primeiras comunidades cristãs deram o passo para a evangelização dos pagãos. O Evangelista João quer, provavelmente, sugerir que integrar os pagãos na comunidade de Jesus não é uma decisão individual, mas uma decisão que a comunidade tomou depois de haver consultado o Senhor.

No pedido destes anônimos gregos podemos ver a sede que existe no coração de cada homem de ver e de conhecer Cristo; e a resposta de Jesus orienta-nos para o mistério da Páscoa; manifestação gloriosa da sua missão salvífica: “Chegou a hora em que será glorificado o Filho do Homem” (Jo 12,23). 

A pergunta dos gregos revela muito mais do que desejavam: “Ver Jesus”. Muito possivelmente, todos querem ver Jesus. Mas o fato de apenas ver Jesus não transforma ninguém em discípulo. Sempre houve o número de pessoas que seguiam Jesus de longe. Ao tomar certa distância de alguém, estamos nos ausentando de qualquer compromisso.

A Carta aos Hebreus que a Liturgia da Palavra nos apresenta como segunda leitura para este domingo nos exorta à vivência do compromisso cristão e nos traz uma longa reflexão sobre o sacerdócio de Cristo (cf. Hb 5,7-9). O trecho apresentado se detém, sobretudo, na reação experimentada por Cristo diante do sofrimento e da morte.  Ele dirigiu-se ao Pai, pedindo que o ajudasse e, se fosse possível, que o poupasse da dor e da morte (v. 7).  Sentiu Ele a necessidade de invocar o Pai para descobrir a sua vontade e para ter a força necessária para cumpri-la. 

Peçamos a intercessão da Virgem Maria para que possamos fazer desse tempo da quaresma uma boa ocasião para “ver Jesus” e seguir fielmente os seus ensinamentos e que saibamos viver na fraternidade e na paz, sempre mais fortalecidos na fé naquele que é o princípio e fim de todas as coisas.  Assim seja.

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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