Jesus foi levado ao céu
Mc 16, 15-20
A liturgia deste domingo nos convida a contemplar o mistério da Ascensão do Senhor. Quarenta dias depois da Ressurreição, segundo o Livro dos Atos dos Apóstolos, Jesus subiu ao Céu, ou seja, voltou para o Pai, pelo qual tinha sido enviado ao mundo. A Ascensão do Senhor marca o cumprimento da salvação iniciada com a Encarnação. Depois de ter instruído pela última vez os seus discípulos, Jesus sobe ao Céu (cf. Mc 16,19). Contudo, Ele “não se separou da nossa condição”; com efeito, na sua humanidade, nos assumiu consigo na intimidade do Pai e, deste modo, revelou o destino final da nossa peregrinação terrena. Assim como por nós desceu do céu, e por nós padeceu e morreu na cruz, também ressuscitou por nós e subiu a Deus.
No Livro dos Atos dos Apóstolos, que temos como primeira leitura, Jesus se despede dos seus discípulos com estas palavras: “Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia, na Samaria e até aos confins do mundo” (At 1,8). Em seguida, o autor sagrado acrescenta: “Depois de dizer isso, Jesus foi levado ao céu, à vista deles. Uma nuvem o encobriu, de forma que seus olhos não podiam mais vê-lo” (v. 9). É o mistério da Ascensão, que celebramos neste domingo solenemente.
Dizer que Jesus “foi levado ao céu”, indica que ele não entra em um lugar, mas em uma nova dimensão. Ir para o céu, significa ir para Deus; estar no céu significa estar junto de Deus. Ascensão de Cristo significa a tomada de posse do Filho do homem crucificado e ressuscitado na realeza de Deus sobre o mundo.
A Ascensão do Senhor ao céu significa que ele já não pertence ao mundo da corrupção e da morte que condicionam a nossa vida, e que ele pertence completamente a Deus. Em quase todos os povos, o céu identifica-se com a morada da divindade. Também a Sagrada Escritura utiliza esta linguagem espacial: “Glória a Deus no alto do céu e paz na terra aos homens” (Lc 2,14). As palavras da oração “Pai nosso que estás nos céus”, mostram a morada de Deus, mas sabemos que ele está no céu, na terra e em todo lugar. Ele não se afastou de nós, mas agora, graças ao seu ser com o Pai, está próximo de cada um de nós, para sempre. Ir ao Pai significa não tanto deixar esta terra, porque ele também continua conosco, como havia prometido: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20), por isto ele nos ouve em nossas orações e está sempre perto de nós.
A Ascensão nos diz que em Cristo a nossa humanidade é levada à altura de Deus; assim, todas as vezes que rezamos, a terra une-se ao Céu. E assim como o incenso queimado faz subir para o alto a sua fumaça, também quando elevamos ao Senhor a nossa oração confiante em Cristo, ela atravessa o céu e alcança o próprio Deus e é por ele ouvida e atendida.
Quando falamos que Deus está “nos céus” significa também que ele “vive em uma luz inacessível”; que o diferencia de nós. O céu, em sentido religioso, é mais um estado que um lugar. Deus está fora do espaço e do tempo e assim é seu paraíso. Ao falarmos que Jesus “subiu ao céu”, lembramos também do Credo, onde professamos: “Subiu ao céu e está sentado à direita do Pai”. As palavras do anjo: “Galileus, o que fazeis olhando para o céu?” (At 1,11), contêm uma advertência: não devem ficar olhando para cima, ao céu, como para descobrir aonde vai estar Cristo, mas sim viver na espera de sua volta, prosseguir sua missão, levar seu Evangelho até os confins da terra.
Depois de ter suportado a humilhação da Sua paixão e morte, Jesus tomou o Seu lugar à direita de Deus e ao lado do Pai eterno. Jesus foi ao Pai, pois ele mesmo já havia dito: “Vou para junto do Pai” (Jo 14,12); e depois volta a dizer: “Convém a vós que eu vá! Porque, se eu não for; o Paráclito não virá a vós; mas se eu for, vo-lo enviarei” (Jo 16,7).
Jesus não subiu a um céu já existente, mas foi formar o céu, como disse certa vez: “Vou preparar-vos um lugar: Depois de ir e vos preparar um lugar, voltarei e tomar-vos-ei comigo, para que, onde eu estiver, também vós estejais comigo” (Jo 14,2-3). O céu é, então, o corpo de Cristo ressuscitado com o qual irão reencontrar-se, integrar-se para formar um só Espírito com Ele, todos os remidos (cf. 1Cor 6,17).
No momento em que Jesus se separa dos Apóstolos, dá-lhes o mandato de O testemunharem em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria e até aos extremos confins da terra (cf. At 1,8) e de anunciarem a todos os povos “a conversão e o perdão dos pecados” (Lc 24,47). Também no Evangelho ouvimos uma vez mais o mandato do Senhor: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a criatura” (Mc 16,15). Os discípulos foram enviados por toda a parte, dando testemunho por meio de sinais e prodígios, para que se acreditasse neles, pois narravam o que eles mesmos tinham visto.
Desde o dia da Ascensão, cada comunidade cristã progride no seu itinerário terreno rumo ao cumprimento das promessas messiânicas, alimentada pela Palavra de Deus e pelo Corpo e Sangue do seu Senhor. Somos fracos e pecadores, e temos necessidade daquela profunda transformação de espírito, de mente e de vida que na Sagrada Escritura se chama precisamente “metánoia”, ou seja, conversão. E esta conversão ocorre a partir do momento em que temos coragem de mudar o rumo da nossa vida, passando a ser alimentada pela palavra de Deus e pelos sacramentos.
Nesta solenidade da Ascensão do Senhor, podemos voltar o nosso olhar também para a figura de São Bento, pois, como nos narra São Gregório Magno, ele também foi “elevado aos céus” numa profunda experiência mística. E, dentre tantos ensinamentos que nos deixa em sua Regra, São Bento também nos convida a procurar a Deus, como compromisso fundamental de todos. O ser humano não se realiza plenamente a si mesmo, não pode ser feliz sem Deus. Consciente desta verdade, insiste São Bento que “nada deve antepor ao amor de Cristo” (RB 4,21). Nisto consiste a santidade, proposta válida para cada cristão.
Também nós devemos sentir ressoar este apelo de São Bento à conservação do coração fixo em Cristo, a nada antepor a Ele, cultivando continuamente um amor especial pela Palavra de Deus na “lectio divina”, que hoje se tornou patrimônio comum de muitas pessoas.
Supliquemos ainda a intercessão da Virgem Maria, para que nos faça trilhar continuamente o caminho da perfeição, para um dia estarmos também na glória celeste, na companhia de todos os santos. Assim seja.
Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ