Tomar a cruz e seguir o Cristo
Mt 16, 21-27
Caros irmãos e irmãs
O Evangelho deste domingo sequencia o texto que ouvimos no domingo passado, no qual Jesus perguntou aos Seus discípulos o que o povo dizia sobre quem era Ele; depois perguntou aos próprios discípulos: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16,15). A profissão de fé do apóstolo Pedro: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” fez com que ele recebesse do Senhor a autoridade sobre a Sua Igreja. “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mt 16,18). Jesus continuou a falar, dizendo que deveria “ir a Jerusalém e sofrer muito da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos mestres da Lei, e que devia ser morto e ressuscitar no terceiro dia” (Mt 16,21). Jesus mostra, com isto, que o caminho para a ressurreição passa pelo sofrimento e pela morte na cruz.
O mesmo apóstolo Pedro que reconheceu em Jesus o Messias, o Cristo, o Filho de Deus vivo, repreende Jesus, dizendo que tal sofrimento e tal situação não poderiam acontecer com o Mestre, e que jamais permitiria que isso acontecesse. Pedro não aceita este caminho que Jesus apresenta como itinerário a ser seguido, por isto, toma a palavra e diz ao Mestre: “Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isto nunca te aconteça!” (v. 22).
A oposição de Pedro, e dos discípulos, pois Pedro continua a ser o porta-voz da comunidade, significa que a sua compreensão do mistério de Jesus ainda é muito imperfeita. Para ele, a missão do Messias, Filho de Deus, é uma missão gloriosa e vencedora; e, na lógica de Pedro, a vitória não pode estar na cruz. Devido a esta sua posição, Jesus diz a Pedro uma palavra particularmente dura: “Vai para longe, Satanás! Tu és para mim uma pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas sim as coisas dos homens!” (v. 23).
O protesto de Pedro, apesar de ter sido pronunciado com boa fé e por amor sincero ao Mestre, soa a Jesus como uma tentação, um convite a salvar a si mesmo, enquanto que, somente ao perder sua vida, a receberá nova e eterna por todos nós. Assim como Pedro, muitos não compreendem o caminho do Senhor, seu sofrimento e sua cruz.
A referência a Pedro como “pedra de tropeço” pode indicar as tentações que podem nos desviar do bem. São os muitos pretextos humanos, bons ou maus, para não cumprir a vontade de Deus. Pensava nisso Jesus, quando, na oração do Pai nosso, nos mandou rezar: “Mas livrai-nos do mal”. Este pedido poderia, perfeitamente, ser traduzido assim: “Mas livrai-nos do maligno”. Este maligno é o demônio, o espírito do mal, mas é também toda a tentação de não cumprir os planos de Deus.
Pedro estava agindo como um espírito, igual ao tentador “Satanás” quer dizer “adversário”, o tentador, que no deserto tinha procurado desviar Jesus de seu caminho (cf. Mt 4,1-11), mas Ele não está disposto a transigir com qualquer proposta que O impeça de concretizar, com amor e fidelidade, os projetos de Deus.
O Senhor ensina que o caminho dos discípulos é seguir o Crucificado. Nos três Evangelhos Jesus explica, contudo, este segui-lo no sinal da cruz, como o caminho do perder-se a si mesmo, é necessário para todos, pois, sem isto, não se pode encontrar-se a si mesmo.
Jesus assevera aos seus discípulos: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la” (v. 24-25).
A generosidade pouco iluminada de Pedro não alcança os mistérios de Jesus: “Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isto nunca te aconteça!” (22). A resposta duríssima de Jesus a Pedro dirige-se a todos nós que temos medo do sofrimento, e nem sempre entendemos a função salvadora da Cruz para o mundo. Renunciar-se, tomar a cruz por causa de Jesus. Não há outro caminho para um cristão! Qualquer outra possibilidade é ilusão humana! Fora da cruz, não há outra escada por onde se suba ao céu.
Jesus convida os discípulos a tomarem a sua cruz e a segui-lo (cf. Mt 16,24), porque sofreu por nós, deixando-nos o exemplo, para que sigamos os seus passos (1Pd 2,21). Para o cristão, a cruz, como lugar do sacrifício de Cristo, é o princípio da salvação dos homens. Por isso, diz o Catecismo da Igreja Católica que a Igreja a venera professando nela sua esperança: “Salve, ó Cruz, única esperança” (cf. CIgC, 617). Devemos usar a cruz no peito como sinal de sua adesão ao discipulado de Cristo; um sinal da presença salvífica de Deus na nossa vida.
Jesus quer mostrar que para “entrar na sua glória” (Lc 24,26), é necessário passar pela cruz. Moisés e Elias tinham visto a glória de Deus sobre a montanha; a Lei e os Profetas tinham anunciado os sofrimentos do Messias (cf. Lc 24,27). A cruz é a expressão de um amor total, radical, que se dá até à morte. Significa a entrega da própria vida por amor.
Em sua carta aos Colossenses, São Paulo nos faz entender a profundidade divina do sofrimento humano. “Agora eu me regozijo nos meus sofrimentos por vós, e completo, na minha carne, o que falta das tribulações de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja” (Cl 1,24). Não é cristão quem não tiver espírito de abnegação e renúncia. E, para encorajar-nos, aí está Jesus à nossa frente, levando nos seus ombros a cruz.
Como aos discípulos, assim também a nós Jesus faz o convite: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga” (v. 24). O cristão segue o Senhor quando aceita com amor a própria cruz, que aos olhos do mundo parece uma derrota e uma “perda da vida” (cf. vv. 25-26), sabendo que não a carrega sozinho, mas com Jesus, partilhando o seu mesmo caminho de doação. O próprio Jesus Cristo, aceitando a morte voluntariamente, carrega a cruz de todos e torna-se fonte de salvação para toda a humanidade. E para levar a pleno cumprimento a obra de salvação, o Cristo Senhor segue associando a si e a sua missão homens e mulheres dispostos a tomar também a sua cruz e segui-lo.
Confiemos a nossa oração à Virgem Maria, para que saibamos seguir o Senhor pelo caminho da cruz e sermos transformados pela graça divina. Que ela interceda por nós, para que possamos seguir com decisão o Senhor, sem olhar para traz, para estarmos um dia na glória da ressurreição. Assim seja.
Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ