Não tenhais medo
Mt 10,26-33.
Caros irmãos e irmãs,
A liturgia deste domingo nos faz ler um texto do evangelho de São Mateus, onde o evangelista reúne várias recomendações pronunciadas por Jesus. Após ter escolhido os 12 Apóstolos para enviá-los em missão e tendo conferido a eles a autoridade de expulsar os espíritos imundos e de curar todas as enfermidades (cf. Mt 10,1s), Jesus não os ilude prometendo sucesso e honrarias, mas pelo contrário, ressalta que eles serão enviados “como ovelhas entre lobos” (Mt 10,16). Assim como o próprio Jesus é perseguido e passará por muitos sofrimentos, também para os Apóstolos não será diferente: “Se me perseguiram, também a vós hão de perseguir…” (Jo 15,20). Eles devem permanecer conscientes da missão e de suas exigências.
Lançando um olhar para o texto evangélico chama a nossa atenção que por três vezes Jesus fala aos Apóstolos em não ter medo: “Não temais” (v. 26), “não tenhais medo” (v. 28.31). Ao medo se contrapõe a coragem e não faz parte da atitude cristã. Jesus nos pede para ter coragem e perseverança diante das dificuldades. A coragem de não desanimar diante dos fracassos e frustrações.
O verbo “temer” na Sagrada Escritura tem uma rica gama de significados. De acordo com o contexto, pode significar tanto ter medo, pavor que leva à fuga, como reverenciar ou ter temor religioso, que leva à comunhão. Essa expressão, dirigida aos seus Apóstolos, tem como objetivo mostrar a eles que no seguimento de Cristo, na missão a eles confiada, é necessário superar o medo da perseguição e da morte, inclusive as oposições dos próprios familiares (cf. Mt 10,34s).
O convite ao domínio sobre o medo aparece com alguma frequência tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento. A Abraão Deus diz para não ter medo, na hora mesma que o chama para sair de sua terra e dirigir-se a um país desconhecido (cf. Gn 15,1). Aos profetas diz: “Não temas, eu estou contigo” (Is 41,10). No momento da anunciação disse o anjo Gabriel: “Não tenhas medo, Maria!” (Lc 1,30). Na realidade, havia motivo para ela ter medo, pois era grande a sua responsabilidade, ser a mãe do Filho de Deus! Um peso acima das forças de um ser humano. Esta palavra: “Não tenhas medo!” Certamente penetrou profundamente no coração de Maria. Podemos imaginar que em várias situações ele precisou superar o medo, sobretudo nos momentos difíceis pelos quais precisou passar.
Também a Zacarias, ao anunciar o nascimento de João Batista, disse o Anjo: “Não temas!” (Lc 1,13). O mesmo também foi dito a José: “Não temas! (Mt 1,20). Cristo falava assim aos Apóstolos, a Pedro, em várias circunstâncias e, especialmente depois da sua Ressurreição. E insistia: “Não tenham medo!” Sentia com efeito que estavam com medo. Eram temerosos porque não tinham certeza se aquele que viam era o mesmo Cristo que conheciam. Ficaram com medo quando Ele foi preso; tiveram mais medo ainda quando, ressuscitado, lhes apareceu.
Certa vez o Apóstolo Pedro disse a Jesus: “Senhor, afasta-te de mim, porque sou um homem pecador!” (Lc 5,8). Assim como Pedro nós também devemos tomar consciência desta verdade. Somos pecadores. Mas Cristo lhe respondeu: “Não tenhas medo!” (Lc 5,10). Esta expressão é rica de significado e tem profundas raízes no Evangelho. É uma exortação do próprio Cristo. Nós não precisamos ter medo, porque ele mesmo disse: “Eu estarei convosco todos os dias” (Mt 28,20).
Na verdade, nós vivemos inúmeros temores. Temos medo da miséria e da pobreza, medo das enfermidades e dos sofrimentos, medo da solidão e medo da morte. Na sociedade em que vivemos, temos um sistema de certezas bem desenvolvido. Mas sabemos que no momento do sofrimento profundo, na hora da última solidão da morte, nenhuma certeza poderá proteger-nos. A única certeza válida em tais momentos é aquela vinda do Senhor, a nos dizer: “Não tenhas medo, eu estou sempre contigo”. Nós podemos vacilar, mas no final caímos sempre nas mãos de Deus.
É precisamente neste contexto que o Evangelho deste domingo nos situa. Ao enviar os Apóstolos em missão, Jesus lhes assegura a sua presença, a sua ajuda, a sua proteção, a fim de que eles possam superar o medo e a angústia que resultam da perseguição. As palavras de Jesus correspondem à última bem-aventurança: “Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós” (Mt 5,11s).
No evangelho Jesus nos fala que se Deus cuida até dos pássaros, cuidará mais ainda dos Apóstolos e de cada um de nós que somos seus filhos. Por isso Jesus conclui afirmando: “Quanto a vós, até os cabelos da cabeça estão todos contados. Não tenhais medo! Vós valeis mais do que muitos pardais” (v. 30s). Se Deus cuida dos mais insignificantes seres de sua criação, como é o caso de um humilde pardal, quanto mais se preocupará conosco, seus filhos.
Jesus sabe que o medo é um grande impedimento ao anúncio do Evangelho e, por isso, é necessário que os Apóstolos tenham coragem para superá-lo. Mesmo se a morte vier alcançar o discípulo, por causa do testemunho, não deve ser temida, pois Deus é o Senhor da vida. O mundo de hoje é um mundo povoado de ameaças por todos os lados, mas quem caminha com Deus não tem medo. Isso vale para nossa vida de cada dia. Quem está com Deus não será desamparado.
No final de cada celebração Eucarística diz o Sacerdote: “Ide em paz e o Senhor vos acompanhe”. E conhecemos ainda aquela nossa frase tão familiar: “Vá com Deus” ou “Deus o acompanhe!”. Quem caminha com Deus não caminha no escuro, por isso não tem medo. E o próprio salmista nos ensina a dizer: “O Senhor é minha luz e minha salvação. De quem terei medo?” (Sl 26,1).
Também não devemos ter medo de dar um testemunho da nossa vida cristã, da nossa fé. Entre os muitos medos que nos invadem e nos atormentam, um deles é o medo religioso. São muitos, hoje em dia, os cristãos dominados pela vergonha e são muitas vezes medrosos. Diante de um ambiente social pouco favorável à fé cristã e inclusive difusamente hostil, uma das tentações mais frequentes do cristão é o medo disfarçado, que se manifesta, por exemplo, em um silêncio cauteloso.
O Senhor não nos promete um caminho fácil. Não nos promete êxito e sucesso, mas nos anuncia o mesmo caminho que ele próprio percorreu: Contradições, incompreensões, perseguições. Na realidade, se olharmos bem o caminho de Cristo e como Ele chegou até a morte de cruz, ao sermos perseguidos por sua causa é sinal evidente de que vamos por seu caminho, não pelo nosso caminho; uma vez que Ele mesmo disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6). E se quisermos seguir pelo Seu caminho, como Ele nos pediu, é necessário lembrarmo-nos sempre do seu ensinamento: “Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16,24).
Peçamos ao Senhor o dom da perseverança no seguimento do Cristo para, com coragem e sem medo, demonstrarmos a nossa fé para a sociedade em que vivemos, que tanto necessita do nosso autêntico testemunho. Assim como Maria, que esteve fiel ao seu filho até mesmo no momento da cruz, possamos também nós mantermos a fidelidade a Ele a todo instante. Assim seja.
Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ