Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – VII Domingo do Tempo Comum (Ano A)

O amor aos inimigos

Mt 5,38-48

Caros irmãos e irmãs,

Nestes últimos domingos do tempo comum, a liturgia vem alimentando nossa espiritualidade com significativos textos. Para hoje, somos convidados a meditar um dos tesouros da radicalidade evangélica apresentada por Jesus aos seus discípulos, onde Ele continua a propor, de forma muito concreta, a sua Lei de santidade.

Em um primeiro momento, o Evangelho faz uma referência à chamada “lei de talião” (vv. 38-42), consagrada na conhecida fórmula “olho por olho, dente por dente” e que aparece em vários textos do Antigo Testamento (cf. Ex 21,24; Lv 24,20; Dt 19,21). Trata-se de uma expressão que se tornou proverbial, e que descreve a falta de compaixão, a recusa de usar a clemência em relação ao culpado. Essa lei tinha sido imposta para defender o réu das vinganças sem limites, das represálias brutais, dos excessos nas punições.  Nos tempos antigos, quem conseguisse capturar o responsável por alguma maldade cometida, podia submetê-lo a punições severas, visando a dissuadi-lo, como também dissuadir os demais, a não cometer erros semelhantes.  A pessoa teria que pagar não só pelo seu crime, mas também por todos os outros crimes cujos responsáveis não tinham sido descobertos.

Esta vingança era um método antiquado e desumano de praticar a justiça, mas servia para manter a ordem naquela sociedade.  Neste contexto social, foi introduzida esta nova norma: “Olho por olho, dente por dente”, alicerçada sob a ideia da recusa do perdão, baseada em uma justiça exigente de igualdade, que acaba fazendo surgir, pela sua própria dureza, um convívio atroz.

Contudo, Jesus propõe algo novo, pois, na sua perspectiva, é preciso interromper o curso da violência e, para isso, propõe aos seus discípulos a não resposta às eventuais provocações e a não retribuir o outro com o mal, mas com o bem.  O Senhor nos adverte não só a receber com paciência os golpes que nos ferem, mas a apresentar com humildade a outra face. A finalidade da lei era ensinar a não fazer ao outro aquilo que não queremos que nos façam. Por isto, somos chamados a amputar as nossas más ações. 

Com o objetivo de tornar mais clara a sua proposta, Jesus apresenta alguns casos concretos. Inicialmente, pede para não responder com a mesma moeda àquele que nos agride fisicamente, mas que se desarme o violento, oferecendo a outra face (v. 39); em seguida, Jesus recomenda que, diante de uma exigência exorbitante, como a entrega da túnica, isto é, da peça de roupa mais fundamental, que não era tirada senão àquele que era vendido como escravo (cf. Gn 37,23), se responda entregando ainda mais (v. 40).

Um outro exemplo que o Evangelho nos apresenta, refere-se ao amor aos inimigos: “Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem” (v. 44). Trata-se de uma nova norma apresentada por Jesus.  Uma novidade que exige uma autêntica revolução das mentalidades. Para Jesus, o amor deve atingir a todos, sem exceção, inclusive aos inimigos. Fica, assim, abolida qualquer discriminação; sendo retiradas todas as barreiras que separam os homens. Isto porque Deus também não faz discriminação no seu amor. Ele é o Pai que não distingue entre amigos e inimigos, que faz brilhar o sol e envia a chuva sobre bons e maus, e oferece o seu amor a todos, inclusive aos indignos (v. 45). Esta é a nova visão do mundo e dos seus valores que o Cristo veio trazer à terra.

Para avaliar adequadamente o significado da lei em nossa vida espiritual é bom estarmos advertidos de que a retidão e a sinceridade são conquistas laboriosas que podemos atingir com o auxílio da graça do Senhor. A atitude postulada pelo Evangelho consiste em não apenas em suportar passivamente as injúrias recebidas, mas colocar uma iniciativa positiva de amor e de bem: amar o inimigo, retribuir com o bem em troca do mal.  É também o que nos diz o apóstolo São Paulo: “A ninguém pagarás o mal com o mal… não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem” (Rm 12,14s).

Nisto, observa-se a identidade que devemos ter para com o nosso Criador, quando o Evangelho também acentua: “Haveis, pois, de ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5, 48). Estas palavras são dirigidas a cada batizado. Somos chamados a imitar a santidade e a perfeição de Deus, sendo perfeitos na compaixão, no amor, no perdão e na misericórdia. 

Com estes ensinamentos, Jesus nos mostra a raiz e a causa de todos os males, como também o remédio que nos traz todos os bens.  A nossa perfeição é viver como filhos de Deus, cumprindo concretamente a sua vontade. Isto pode parecer uma meta inatingível, porém, as normas concretas apresentadas pelo Evangelho mostram como é o comportamento de Deus, o que deve se tornar também a regra do nosso agir. Na verdade, a nossa linguagem deve ser sempre a do Evangelho. 

Os ensinamentos do Senhor têm como objetivo a nossa purificação para não incorrermos ao pecado.  Neste sentido, o próprio Cristo é o maior exemplo para todos nós, pois ele mesmo nos diz: “Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração e achareis repouso para as vossas almas” (Mt 11,29). 

E na segunda leitura, São Paulo ainda nos adverte: “Sois templo de Deus… o templo de Deus é santo, e esse templo sois vós” (1Cor 3, 16-17). Neste templo que somos nós, celebra-se uma liturgia existencial: a da bondade, do perdão, do serviço; numa palavra, a liturgia do amor.  O templo que somos nós, não pode ser profanado e exige vigilância e zelo. Se estivermos conscientes desta realidade, e a nossa vida for por ela profundamente plasmada, então o nosso testemunho torna-se claro, eloquente e eficaz.  Nós somos como uma construção sagrada onde Deus mora. 

O convite de Cristo a nos deixarmos envolver pela sua exigente proposta evangélica ressoa com vigor para cada um de nós.  A liturgia da Palavra deste domingo nos estimula a rever a nossa relação com Jesus, a procurar o seu rosto sem nos cansarmos.  E para testemunharmos com maior zelo e ardor estas atitudes de santidade, saibamos amar aqueles que nos são hostis; abençoemos quem fala mal de nós; saudemos com um sorriso a quem talvez não o mereça; saibamos esquecer as humilhações sofridas e deixemo-nos guiar sempre pelo Espírito de Cristo.

Somos hoje chamados à santidade e à perfeição. O caminho do cristão é um caminho que exige, de cada ser humano, um compromisso sério.  Já na primeira leitura (cf. Lv 19,1-2.17-18), temos um apelo veemente à santidade: viver na comunhão com o Deus e também com o próximo. 

Saibamos colocar em prática as palavras do Cristo que assim diz: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está nos Céus” (Mt 5, 44-45). Quem acolhe o Senhor na própria vida e o ama com todo o coração é capaz de um novo início, um começar de novo. Se estivermos conscientes desta realidade e a nossa vida for por ela profundamente plasmada, então o nosso testemunho torna-se claro e eficaz.  

Invoquemos a Virgem Maria, Mãe de Deus e da Igreja, para que nos ensine a viver no amor e na unidade.  Assim seja. 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB. 

Mosteiro de São Bento/RJ

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