Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – Santíssima Trindade – Ano A

SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE

 

Jo 3,16-18

 

Caros irmãos e irmãs! 

 

Neste domingo que se segue ao Pentecostes, a Igreja celebra a Solenidade da Santíssima Trindade: Deus Pai, Filho e Espírito Santo: Um só Deus em três Pessoas. Acreditamos e adoramos um Deus que é Uno e Trino, que é Pai e criou todas as coisas visíveis e invisíveis, conforme professamos na oração do credo; e fez de nós homens, a mais predileta de todas as suas criaturas; pois só a nós foi dada a dignidade de sermos chamados filhos de Deus. Encontramos no Novo Testamento explícitas fórmulas trinitárias, onde manifestam as três Pessoas divinas, como no momento da anunciação do Anjo Gabriel a Maria (cf. Lc 1,32-35), no Batismo de Jesus (cf. Mt 3,16) e no momento da Transfiguração (cf. Lc 17,1-5). 

O domingo da Santíssima Trindade, de certa maneira, recapitula a revelação de Deus que aconteceu nos mistérios pascais: morte e ressurreição de Cristo, a sua ascensão à direita do Pai e a efusão do Espírito Santo.  É também uma oportunidade para a reflexão sobre a nossa vida de batizados. Fomos batizados “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, conforme a missão confiada por Jesus aos seus apóstolos: “Ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19). Pelo Batismo é lavado o pecado original e, com isto, nos tornamos filhos de Deus e, concomitantemente, recebemos a graça santificante; e passamos a ser herdeiros do trono da graça divina. 

A Trindade divina começa a habitar em nós a partir do momento em que recebemos o Batismo: “Eu te batizo – diz o ministro – em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”, o que recordamos todas as vezes que fazemos em nós mesmos o sinal da cruz. Fazemos este sinal antes da oração, para que nos coloquemos espiritualmente em ordem; somos chamados a concentrar em Deus o nosso pensamento, para que, pela oração, permaneça em nós o que Deus nos doou.

Através do sinal da cruz expressamos as três verdades fundamentais da nossa fé.  Quando falamos: “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, proclamamos o mistério da Santíssima Trindade e levamos as pontas dos dedos da mão direita aberta, dizendo: “Em nome do Pai”, em seguida descemos com a mão na vertical e tocamos na altura do coração, continuando: “…e do Filho”; com isto ressaltamos o mistério da Encarnação: o Filho de Deus que desceu ao seio da virgem Maria. Em seguida, levando a mão direita em cada ombro, fazemos referência ao Espírito Santo.  Com isto, completamos a cruz, para indicar o modo como Jesus morreu: numa cruz, formada por uma haste vertical e uma haste horizontal.

No sinal da cruz está contido o anúncio que gera a fé e inspira a oração.  Assim, a Santíssima Trindade ocupa o centro da nossa fé. Todas as vezes que fazemos o sinal da Cruz, estamos relembrando e fazendo memória, à fé que professamos: a fé no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Os cristãos têm também o costume de persignar-se, fazendo três cruzes com o dedo polegar da mão direita, uma vez na testa, outra na boca e outra no peito. Existe uma explicação que nos diz que a cruz na testa é para Deus nos livrar dos maus pensamentos; na boca, para nos livrar das más palavras; e, no peito, para nos livrar das más ações.

Mas existe também um sentindo Litúrgico mais abrangente e expressivo: A cruz na testa lembra que o Evangelho deve ser entendido, estudado, conhecido; a cruz nos lábios lembra que o evangelho deve ser proclamado, anunciado, que é a missão de todo cristão; e a cruz no peito, à altura do coração, nos indica que o evangelho, acima de tudo, deve ser guardado em nós, mas também deve ser vivido, pregado e testemunhado por todos. 

Também o diácono ou o sacerdote, ao proclamar o Evangelho, deve fazer o sinal da cruz no texto a ser lido e, em seguida, persignar-se, indicando, com isso, que cada palavra pronunciada seja um despertar para cada cristão tornar-se luz e sal para o mundo. Neste momento também os fiéis repetem este mesmo gesto, para que possam se preparar para ouvir, com dignidade, a Palavra de Deus. Devemos nos colocar de pé, indicando, com essa posição, que estamos prontos para seguir, dispostos a caminhar com Jesus, para onde Ele nos levar.

Lançando um olhar para a liturgia da palavra deste domingo, deparamos com a primeira leitura tirada do Livro do Êxodo, onde temos a revelação do amor de Deus, depois de um grave pecado, cometido pelo povo que estava a caminho da terra prometida. Deus, por intercessão de Moisés, perdoa e o convida a subir novamente ao monte para receber de novo a sua lei: os dez mandamentos e renovar o pacto com o seu povo.  Moisés pede então a Deus de revelar-se, de fazer visível o seu rosto. Mas Deus não mostra sua face, revela por sua vez o seu ser pleno de bondade com estas palavras: “Deus misericordioso e clemente, paciente, rico em bondade e fiel” (Ex 34,6).

Por conseguinte, todas essas palavras “misericordioso”, “clemente” e “paciente” e “rico em bondade” nos falam de uma relação, em particular de um ser vital que se oferece, que deseja preencher todas as lacunas, todas as faltas, que quer doar e perdoar, que deseja estabelecer um vínculo sólido e duradouro com cada um de nós. Também em outros textos encontramos essa fórmula, com algumas variantes, mas sempre a insistência é colocada sobre a misericórdia e sobre o amor de Deus que nunca se cansa de perdoar (cf. Jo 4,2; Gl 2,13; Sl 86,15; 103,8; 145,8). 

Ainda no Novo Testamento, São João resume esta expressão dizendo: “Deus é amor” (cf. 1Jo 4,8). Também o Evangelho deste domingo certifica: “Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu o seu único Filho” (Jo 3,16), que viveu por nós, que venceu o mal perdoando os pecados, acolhendo a todos. Mas é sobre a cruz que o Filho de Deus nos concede a participação à vida eterna, que vem comunicada com o dom do Espírito Santo.

Deus se comunica conosco e se expressa no Filho e no Espírito Santo. Mas Deus é o amor mais original; por isso os três não deixam de ser um.  E como tudo é criado segundo o amor de Deus, todo o universo tem em si o reflexo deste amor unificador.  E Jesus nos mostrou o rosto de Deus, uno na sua essência e trino nas pessoas: Deus é amor; amor Pai, amor Filho e amor Espírito Santo. Pensar que Deus é amor é muito importante para nós, porque nos ensina a amar, a doar-nos ao próximo como Jesus se doou a nós, e caminha conosco. Jesus caminha com cada um de nós pelas estradas da vida.

Nas cartas de São Paulo encontramos frequentemente a referência às três pessoas da Santíssima Trindade, como, por exemplo, na segunda carta aos coríntios, que a liturgia usa entre as fórmulas de saudação feita pelo sacerdote no início da Celebração Eucarística: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós” (2Cor 13,13).  Com efeito, toda a graça que nos é dada em nome da Trindade, vem do Pai, pelo Filho, no Espírito Santo. Assim como toda a graça nos vem do Pai por meio do Filho, assim também não podemos receber nenhuma graça senão no Espírito Santo.  Realmente, participantes do Espírito Santo, possuímos o amor do Pai, a graça do Filho e a comunhão do mesmo Espírito (cf. Santo Ambrósio, Ep. 1ad serapionem, 28-30: PG 26,599).

Concluindo estas reflexões, esteja em nossos lábios a oração de Moisés, conforme nos apresenta a primeira leitura: “Senhor, caminha conosco, perdoa as nossas culpas e nossos pecados e nos acolhe como propriedade tua” (Ex 34, 9).

Peçamos o auxílio da Virgem Maria por cada um de nós, pois em seu coração humilde e repleto de fé, Deus preparou para si uma morada digna, para completar o mistério da salvação. O Amor divino encontrou nela uma correspondência perfeita e foi no seu seio, pela ação do Espírito Santo, que o Filho de Deus se fez homem para habitar entre nós. Com a sua intercessão, possamos progredir na fé e fazer da nossa vida um contínuo louvor ao Pai, por meio do Filho no Espírito Santo. Assim seja.

 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ

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