A transfiguração do Senhor
Mt 17,1-9
Caros irmãos e irmãs
Neste domingo, juntamente com o Apóstolo São Pedro podemos dizer: “É bom estarmos aqui” (Mt 17,4), reunidos junto do altar do Senhor para celebrarmos a Santa Eucaristia, enquanto prosseguimos a peregrinação quaresmal para a Páscoa. E neste segundo domingo da quaresma também nós somos convidados a subir ao Monte Tabor, a fim de meditar acerca da sugestiva narração da transfiguração de Jesus.
O texto evangélico começa dizendo que “Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e os levou a um lugar à parte, sobre uma alta montanha. E foi transfigurado diante deles” (Mt 17,1s). Na Sagrada Escritura, a montanha representa o lugar da proximidade com Deus e do encontro íntimo com ele pela oração.
Recordemos também que em um outro monte, o Sinai, Moisés recebeu os dez Mandamentos. Além disso, ainda sobre este monte, Elias recebeu de Deus a revelação divina de uma missão a cumprir. E no fim da vida, Moisés foi agraciado com a promessa de que Deus suscitaria um profeta maior do que ele, cumprindo as esperanças não realizadas no Antigo Testamento: “O Senhor, teu Deus, te suscitará dentre os teus irmãos um profeta como eu: é a ele que devereis ouvir” (Dt 18,15).
Jesus é então apresentado a Pedro, Tiago e João como o grande profeta, o novo Moisés, como aquele que dá ao novo povo, na pessoa dos três discípulos, a nova lei, a revelação definitiva de Deus e é nele que toda a lei deve ser cumprida. A nuvem que se formou e os encobriu, demonstra que a voz que fala é divina. Também Moisés tinha estado nesta montanha, como podemos ler no livro do Êxodo: “A nuvem cobriu o monte e a glória do Senhor repousou sobre o monte Sinai, que ficou envolvido na nuvem durante seis dias” (Ex 24,15s). Era o sinal de Deus que acompanhava seu povo. Quando Moisés recebeu a lei, também a montanha foi envolvida numa nuvem, o que indicava a presença de Deus (cf. Ex 24,15s).
A finalidade desta transfiguração foi encorajar os discípulos para que não se deixassem vencer pelas provações que viriam em breve, com a paixão e morte de Cristo, por isto, a transfiguração de Jesus ocupa, nos evangelhos, lugar de especial importância, pois prepara os apóstolos para enfrentarem os dramáticos eventos do calvário, apresentando-lhes, com antecipação, aquela que será a plena e definitiva revelação da glória do Senhor no mistério pascal. Por isto, mediante este acontecimento, os discípulos são preparados para superar a terrível prova da paixão e compreender o mistério pascal de Cristo. Ao meditarmos esta página evangélica, preparamo-nos para reviver, também nós, os eventos decisivos da morte e ressurreição do Senhor, seguindo-o no caminho da cruz para chegarmos à luz e à glória.
Na transfiguração não é Jesus que recebe a revelação de Deus, mas é precisamente nele que Deus se revela e revela o seu rosto aos apóstolos. Portanto, quem quer conhecer Deus, deve contemplar o rosto de Jesus, o seu rosto transfigurado: Jesus é a revelação perfeita da santidade e da misericórdia do Pai.
Podemos dizer ainda que a transfiguração é uma revelação da pessoa de Jesus, da sua profunda realidade. Com efeito, as testemunhas oculares de tal acontecimento, ou seja, os três apóstolos foram envolvidos por uma nuvem luminosa, que na Sagrada Escritura anuncia sempre a presença de Deus, e ouviram uma voz que dizia: “Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo meu agrado. Escutai-o!” (v.5). Este premente apelo a escutar o Cristo é um convite a deixar que a luz de Cristo ilumine a nossa vida e nos conceda a força para anunciarmos e testemunharmos o evangelho a todos. É um empenho que comporta, às vezes, não poucas dificuldades e sofrimentos.
Outras passagens da Sagrada Escritura também nos convidam a ouvir, a escutar a voz do Senhor, como, por exemplo, a parábola do Bom Pastor (cf. Jo 10,1-18), que mostra a relação entre escutar, crer e obedecer. As ovelhas escutam a voz do Bom Pastor e ele caminha à frente e elas o seguem. Nesta parábola Jesus diz que as ovelhas escutam a sua voz, mas escutar, seguir e conhecer Cristo é também acreditar. Conhecer a voz de Cristo é identificar-se com sua mensagem, identificá-la e senti-la como própria.
Neste sentido, o Bom Pastor não é somente o modelo e exemplo de todos os pastores, mas é modelo e exemplo de todos os que crêem e querem obedecer a Deus. Existe ainda um texto importante para compreender as exigências do escutar, que se encontra em 1Sm 3,10: “Fala, Senhor, teu servo escuta”. Esta resposta do jovem Samuel contém em si a atitude da completa atenção, a atitude que corresponde a uma obediência total à Palavra de Deus.
E na primeira leitura temos a exortação do Senhor feita a Abraão: “Sai da tua terra, da tua família e da casa do teu pai, e vai para a terra que eu te vou mostrar. Farei de ti um grande povo e te abençoarei…” (Gn 12,1s). Com a vocação de Abraão Deus intervém no decurso da história para formar para si um povo, através do qual a salvação atingiu todos os homens. E Abraão torna-se o modelo e o exemplo do crente que soube escutar e que soube obedecer. Chamado por Deus, ele deixa a própria terra, com todas as seguranças que comporta, sustentado apenas pela fé e pela obediência confiante ao seu Senhor. Abraão confia em Deus. Ele ouve a palavra de Deus e a coloca em prática.
Deus pede também a Abraão que sacrifique o seu filho, dizendo: “Toma o teu filho, o teu único filho Isaac, a quem amas, vai à terra de Moriá e oferece-o lá em holocausto, sobre uma montanha que eu te vou indicar” (Gn 22,2). Abraão dispõe-se a obedecer à ordem de Deus. Mas quando chegou o momento de sacrificar o seu filho, o Senhor se manifesta por meio de um anjo, que diz: “Não estendas a mão contra o menino! Não lhe faças nenhum mal! Agora sei que temes a Deus, pois não me recusaste o teu filho único” (Gn 22,12).
Precisamente em virtude do extraordinário testemunho de fé, oferecido naquela circunstância, Abraão obtém a promessa de uma numerosa descendência: “Por meio da tua descendência, todas as nações da terra serão abençoadas, porque me obedeceste” (Gn 22,18). Graças à sua confiança incondicionada na Palavra de Deus, Abraão torna-se o pai de todos os crentes.
Também o Senhor Deus “não poupou o seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós” (Rm 8,32). Abraão com a sua disponibilidade a imolar o seu filho Isaac, prenuncia o sacrifício de Cristo para a salvação do mundo. A execução efetiva do sacrifício, que foi poupada a Abraão, irá ocorrer com Jesus Cristo. Ele mesmo informa os apóstolos, ao descer do monte da Transfiguração, para que não comentem nada do que viram, antes do Filho do homem ressuscitar dos mortos. O evangelista São Marcos acrescenta: “Eles observaram a recomendação” (Mc 9,10).
Seguindo o exemplo de Abraão também nós devemos prosseguir o nosso caminho quaresmal, renunciando a nossa vontade própria, para escutar a voz do Senhor, manifestada através de Jesus Cristo. Que saibamos permanecer em constante escuta da Palavra de Deus e que possamos ser capazes de realizar gestos de solidariedade, de paz e de perdão. Para ouvir Jesus, precisamos estar próximos dele, segui-lo, como fez também a Virgem Maria, que acompanhou o seu filho Jesus até à cruz. Que ela interceda por cada um de nós, para que possamos ser os discípulos fiéis de Cristo, escutando e colocando em prática todos os seus ensinamentos. Assim seja.
Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ