Epístola (Gl 2, 16, 19-21)
(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)
INTRODUÇÃO: A epístola aos gálatas é uma apologia de seu evangelho [de Paulo], esse que colocava a salvação ou a justificação só em Cristo, como fonte; e na fé de cada cristão, como receptor da mesma. A Lei [nomos ouTorah] era inútil e até inconveniente, diante desta fórmula única de salvação em Cristo. Neste trecho, Paulo argumenta, servindo-se do valor que tem a cruz de Cristo, onde a redenção [lytron] teve sua origem; portanto essa cruz não pode ser esvaziada de seu valor e significado. Uma outra ideia é que a fé nos transforma em novos Cristos, pois viver essa fé é estar crucificado com Ele, de modo que Paulo afirma que já a sua vida e a vida de Cristo se confundem.
A JUSTIFICAÇÃO: Sendo conhecido que não se justifica um homem por meio de obras de Lei, senão através da fé de [em] Jesus Cristo, também nós, em Cristo Jesus temos acreditado, para sermos justificados pela fé de Cristo e não por meio de obras de Lei, porque não se justifica toda carne por meio de obras de Lei (16). Scientes autem quod non iustificatur homo ex operibus legis nisi per fidem Iesu Christi et nos in Christo Iesu credidimus ut iustificemur ex fide Christi et non ex operibus legis propter quod ex operibus legis non iustificabitur omnis caro. JUSTIFICA [dikaioutai <1344>=justificatur] Só Deus justifica, isto é, aplica ao homem sua santidade de vida, tornando-o livre de pecado (Rm 3, 30) [parte negativa] e colocando nele a sua santidade [parte positiva] que geralmente é chamada de graça santificante, verdadeira justificação que nos reintegra a graça de Deus (Deus derramado em nossos corações [Rm 5, 5]), para que tenhamos uma nova vida (Rm 6, 4) com a qual se realiza a adoção, transformando o homem em irmão de Cristo, conferindo-lhe a participação real na vida do Filho único, revelada mediante a ressurreição (CIC 654). Tudo é real, tanto o perdão (Rm 5,1) como a graça (Rm 5,5) e por isso somos lavados, consagrados e justificados (1Cor 6,11). Paulo termina, afirmando que nenhuma carne [homem] é justificada pelas obras da Lei, ou seja, a que constituia a Antiga Aliança, que hoje é totalmente anulada (Rm 4, 14). OBRAS DA LEI: O NOMOS [Lei] em Paulo é o conjunto de normas que constituiam a Antiga Aliança [a Torah], fundada sobre a circuncisão e as numerosas tradições dos antigos, especialmente as referentes à impureza e ao sábado, que Jesus criticou em repetidas ocasiões, pois o sábado estava feito para o homem e não este para o sábado (Mt 12, 8); ou as leis de impureza eram sobre coisas externas que em nada podiam manchar o interior do homem como eram os alimentos proibidos (Mt 23, 25 ss). Máxime, se essas obras eram feitas para caiar o exterior como se fazia com os sepulcros (Mt 23, 27). PELA FÉ EM CRISTO: Sendo a justificação obra gratuita de Deus, ou a aceitamos pela fé ou unicamente podemos nos opor a ela, não admitindo a mesma, porque não acreditamos na sua bondade e a desprezamos ou a rejeitamos propositadamente, como fez aquela geração que Jesus tratava de adúltera, no sentido de servir à mammona [deus-riqueza], desprezando o verdadeiro Deus. Jesus dirá que quem crer e for batizado será salvo [ou justificado] (Mc 16, 16).
A MORTE NA LEI: Pois eu, por meio da Lei, morri na Lei para viver para Deus (19). Ego enim per legem legi mortuus sum ut Deo vivam Christo confixus sum cruci. Que significa esta frase de Paulo? Por meio da Lei morri na Lei, ou melhor, estou morto? Segundo o que ele conta em Romanos 2, 17ss, todos os judeus transgrediram a Lei [a Torah] e portanto, segundo a doutrina [verdadeiro significado de Torah] dessa Lei, estariam mortos sob o império do pecado (Rm3, 9) de modo que se pode aplicar a Escritura: Não há justo nem mesmo um só (Rm 3, 10). Mas Deus, que se compadece do pecador e veio para o salvar [viver, dar vida (Jo 10, 10)], justificou Paulo, porque ele estava morto, de modo que se tornasse verdadeira a frase que ele se atreve a afirmar: Onde abundou o pecado superabundou a misericórdia (Rm 5, 20). Tudo porque Deus é rico em misericórdia (Ef 2, 4).E de sua vida, da de Paulo, podemos tirar uma conclusão universal:O resultado final da Lei é a morte; por isso, unicamente a fé nos faz viver em Cristo pela graça de Deus. É tão atrevida esta sua aproximação ao papel da Lei que Paulo teve que explicar como a Lei não era causa formal [em si mesma] do pecado; mas é este, como sendo um ser vivo, por meio da concupiscência, quem causa a morte, como independente e oposto à Lei (Rm 7, 7ss).
A CRUZ: Pois com Cristo estou crucificado vivo; não eu, porém vive em mim Cristo, o qual, pois, agora vivo em carne, em fé vivo na do Filho de (o) Deus que me amou e deu a si mesmo por mim (20), Vivo autem iam non ego vivit vero in me Christus quod autem nunc vivo in carne in fide vivo Filii Dei qui dilexit me et tradidit se ipsum pro me. CONCRUCIFICADO: a cruz de todo cristão é estar atado ao pecado. Sabemos que nosso homem velho tem sido crucificado com ele [Cristo] para que o corpo do pecado seja destruído, a fim de que não sejamos escravos do pecado (Rm 6, 6). E se este pressuposto é universal e normal em todo cristão que recebe no batismo o Espírito, em Paulo se deu de modo peculiar: eu não quero presumir a não ser da cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo. (Gl 6, 14). Como vemos a crucifixão de Paulo é para o pecado e o mundo, todos os dois submetidos a seu príncipe, Satanás, o verdadeiro inimigo de Cristo, cujo domínio especialmente se estende ao mundo e seus adoradores (Mt 4, 9). AGORA VIVO EM CARNE: Paulo na sua analogia do corpo de Cristo encontra na carne dos fiéis [carne e ossos, dirá] o corpo de Cristo vivente na terra em cada um dos seus verdadeiros fiéis, entre os quais ele mesmo se encontra. Por isso, sendo a Igreja e cada um dos seus membros apresentados como virgem pura a um só esposo que é Cristo (2 Cor 11, 2), e a Ele unidos individualmente (1 Cor 6, 17), podemos concluir que, segundo Gênesis, são dois numa só carne, como afirma Paulo da união com a meretriz (1 Cor 6, 16). Confirma-o Paulo quando fala da comunhão do pão e do vinho, como comunhão com o corpo e sangue de Cristo (1 Cor 10, 16). Mas para evitar uma interpretação totalmente materialista, Paulo afirmará que é dentro de uma interpretação espiritual, porém realista que deve ser interpretada esta união tão especial, não só com o espírito, mas também com o corpo de Cristo, formando um espírito comum com ele (1 Cor 6, 17), o que já Jesus disse no seu discurso de Cafarnaum: O espírito é que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida (Jo 6, 63). Como se dissesse: um corpo vive pelo espírito não pela carne. E o que comunico com estas palavras é que meu espírito tornar-se-á vosso espírito. Embora carne e sangue aparentemente sejam diferentes do espírito, eu comunico a vida nova nessa vossa carne e sangue que do contrário estaria morta. Por isso, Jesus pode afirmar que se deve comer e beber seu corpo e seu sangue. Embora muitos membros [ou corpos diferentes] todos formamos um só corpo cuja cabeça é Cristo (Cl 1, 18). Mas é maravilhoso que possamos inteiramente não só como almas ou espíritos, mas também em nossas vidas corporais repetir com os antigos padres da Igreja: Christianus alter Chirstus ( Cristão é outro Cristo). E SE ENTREGOU POR MIM: O amor é o que mais une as pessoas e o amor é melhor manifestado, quando alguém se imola pelo amado. Isso foi o que Jesus fez e por isso essa entrega é o maior penhor de nossa vida e salvação.
NÃO ESVAZIAR A CRUZ: Não rejeito a graça de(o) Deus. Pois se por meio da lei há justiça, então vanamente Cristo morreu (21). Non abicio gratiam Dei si enim per legem iustitia ergo Christus gratis mortuus est. Paulo conclui seu argumento ou diatribe, como se dizia em grego clássico entre os filósofos cínicos e estóicos, dizendo que não pode rejeitar a graça de Deus. Entre a escolha pela Lei ou pela graça misericordiosa de Deus, Paulo não tem mais remédio que optar por esta última. E como colofão de sua doutrina acrescenta: caso escolhamos a justiça como vinda da Lei, a morte de Cristo seria inútil, para nada serviria. Mas, pelo contrário, a morte de Cristo é causa da vida [do espírito] e da ressurreição [do corpo].
Evangelho (Lc 7, 36-8,3)
1a PARTE: A PECADORA
O BANQUETE: Após um convite [convidava-lhe], Jesus entrou na casa de um fariseu de nome Simão (43) e se recostou na mesa para comer. Simão (forma abreviada de Simeão=famoso) era nome comum entre os judeus na época. Foi o nome de Pedro, o nome do leproso em cuja casa hospedou-se Jesus em Betânia, a vila próxima de Jerusalém. Nome do pai de Judas Iscariotes, que foi o traidor. Era o nome de Simão, o irmão [parente] do Senhor; Simão o Cirineu; Simão o Zelote, um dos discípulos; Simão o curtidor de Jope, dos Atos 9. Era um banquete em toda regra; pois o verbo grego anaklino indica que os convivas estavam deitados ou reclinados ao modo grego e não sentados como seria o costume judaico. Provavelmente seria no entardecer da sexta feira, ou seja, no início do sábado, tempo em que os fariseus acostumavam ter suas comidas em grupo, formado por 12 a 20 pessoas. Eram banquetes religioso-sociais em que só pessoas do grupo entravam a formar parte, com a exceção de convivas especiais, como no caso de Jesus a quem consideravam profeta (39) e a quem Simão chama de Mestre (40). Nessas refeições, em que se alternavam como hospedeiros os membros dos componentes do grupo, esmeravam-se as donas da casa em oferecer o melhor de sua culinária. Este era o caso que estudamos. Como era costume entre os romanos, os comensais estavam recostados sobre divãs a pouca altura do chão, descalços, com os pés fora do divã. Estes banquetes, pelo menos entre os romanos, começavam ao entardecer e continuavam durante a noite até altas horas da madrugada. Sabemos como a comida era regada com vinhos e acompanhada com danças e diversões como no banquete oferecido por Herodes Agripa no dia de seu aniversário natalício (Mc 6, 21). Evidentemente que este não era o caso de Simeão. Era um banquete mais familiar, entre seus colegas de collegium ou associação como sabemos que existiam em Roma e Alexandria. Tampouco era o banquete celebrado em honra dos mortos, costume greco-romano, nos cemitérios, que foi recebido pela primitiva Igreja e que deu lugar aos banquetes eucarísticos nas catacumbas onde se situaram as criptas que serviam para realizar a Eucaristia sobre o altar do mártir comemorado.
A PECADORA: Qual era o significado desta palavra nos tempos de Jesus? A maioria dos comentaristas pensam que essa mulher, conhecida na cidade, era uma mulher pública, das quais se dizem ter vida fácil (?), que se oferecem por dinheiro a todos os que possam pagar seus atrativos. Porém existe uma outra versão da palavra pecador que encontramos unida à de publicanos e cujo significado é de gentil ou pagão, como em Lucas 15,1: Aproximavam-se de Jesus todos os publicanos e pecadores [amartoloi] para ouvir. É verdade que Mateus une no mesmo contexto publicanos e meretrizes em Mt 21, 31-32. Publicanos e meretrizes [pornai] vos precedem no reino de Deus (31) e não acreditastes nele (o Batista) ao passo que publicanos e meretrizes creram (32). Em Mt 9, 10 lemos: estando ele em casa à mesa, muitos publicanos e pecadores [amartoloi] vieram e tomaram lugares com Jesus. Em Mc 2, 15-16 lemos que em casa de Levi muitos publicanos e pecadores [amartoloi] porque estes eram em grande número e o seguiam, estavam junto com ele (15). Por isso os escribas e fariseus perguntavam a seus discípulos por que come e bebe ele com os publicanos e pecadores [amartoloi] (16). É interessante que no lugar paralelo Lucas (5, 29-32), primeiramente, o evangelista fala de publicanos e outros(29) para depois os fariseus e seus escribas afirmar que eram pecadores (30). No mesmo Lucas a palavra pecador tem um sentido de gentil em 24, 7 quando Jesus afirma que será entregue nas mãos de homens pecadores [anthropön amartolön] Finalmente temos a passagem de Paulo em Gl 2, 15 : Nós judeus por natureza e não pecadores [amartoloi] dentre os gentios. Tudo isso indica que a palavra amartolos pode ter um sentido não necessariamente ético, mas étnico. Por isso podemos pensar que a mulher que era amartolos poderia ser não uma meretriz, mas uma mulher pagã ou talvez uma mulher judia casada com um pagão. Nestes dois últimos casos, admitidos pela semântica e por alguns comentaristas como afirmava já Gill em seus comentários, temos uma nova visão do evangelho de Lucas que confirma sua predileção, assim como a de Paulo, para ser chamado o evangelho dos gentios. Por outra parte, a repulsa do fariseu seria mais forte, caso fosse uma pagã a mulher que tocou e ungiu os pés de Jesus.
A MULHER: Podemos dizer quem não era e nada sabemos sobre quem era. A tradição grega a distingue perfeitamente das outras duas mulheres com as quais os latinos a confundem: Maria de Magdala e Maria de Betânia, irmã de Lázaro. Maria de Magdala, da qual Lucas fala em várias ocasiões, era uma mulher solteira, ou viúva, pois o seu patronímico (nome do pai ou do marido) é substituído por um toponímico (nome da cidade de origem), Magdala, ou um apelido (mulher do pelo enrolado). Magdala significa torre e provavelmente o nome seria Magdal-El, torre de Deus. Outros preferem Migdal Nunaya, torre dos peixes, porque coincidiria com a Tariqueia de Flávio Josefo, já que Tariqueia significa pesca salgada. Sem dúvida era a cidade mais importante à beira do lago. Tinha na época 4 mil habitantes, dedicados em grande parte à salgação de peixes com uma frota de 230 barcos. Distava de Tiberíades, na época a capital da Galiléia, 6 Km ao norte da mesma, situada na planície de Genesaré entre Cafarnaum e Tiberíades, no caminho de Damasco. Maria de Magdala ou Maria Madalena é citada várias vezes nos evangelhos. O próprio Lucas afirma que Jesus tinha tirado dela sete demônios (8,2). O número 7 não deve ser tomado em termos matemáticos, mas simbólicos e seria o mesmo que dizer que havia expulsado muitos demônios. Esta última palavra deve ser explicada já que na cultura da época, endemoninhado significava uma série de doenças mentais ou desconhecidas. Um louco, um surdo-mudo, eram endemoninhados. Por isso atribuiam a Jesus um demônio por suas afirmações mirabolantes de dizer que antes de Abraão ele já existia (Jo 7, 20). Nada mais sabemos sobre a antiga profissão ou vida de Maria de Magdala. Sabemos, porém, que após sua cura, ela era uma das mulheres que acompanhavam Jesus e com suas posses e bens o serviam. Mas é difícil pensar que uma ex-meretriz (teria 50 anos) pudesse se misturar com as outras mulheres que seguiam Jesus, como Joana, mulher de Cuza, o procurador de Herodes, ou Susana, também pertencente à alta sociedade da época. Sabemos que Maria Madalena estava ao pé da cruz (Lc 23, 49), assiste a sua sepultura (23, 55) e é a primeira a ver o Cristo ressuscitado (Jo 20, 11). A outra mulher seria Maria de Betânia, irmã de Lázaro e Marta. Desta mulher sabemos que na casa de Simão o leproso (Mc 14, 3), durante o banquete, derramou um frasco de nardo sobre a cabeça de Jesus. Mas segundo João, foram os pés que ela ungiu e enxugou com os seus cabelos (Jo 12, 3). Era costume oferecer água aos hóspedes para lavar os pés e ungir com perfume sua cabeça. É possível que ambos os gestos de unção fossem feitos por Maria de Betânia, destacando João, pelo insólito, unicamente o perfume dos pés, mais próprio da sepultura. Desta Maria, fala Lucas como sendo a que estava aos pés de Jesus escutando suas palavras (final do capítulo 10).
A UNÇÃO: Propriamente o evangelho fala de quatro ações feitas pela mulher pecadora: regar [molhar, como a chuva faz] os pés com as lágrimas; secar com os cabelos [os pelos de sua cabeça]; beijar [besuquear diríamos em espanhol] continuamente os pés de Jesus e ungir com mirra ( pés ou cabeça?). Vamos por partes descrever com mais detalhes estas quatro fases de um aparentemente esquisito comportamento. Entre colchetes temos colocado as traduções mais literais do texto grego que, sem dúvida, dá uma maior expressividade. Os costumes da época eram lavar com água morna os pés dos convivas, após estes ficarem descalços, como vemos na ação de Jesus na última ceia (Jo 13, 3), a exemplo de Abraão (Gn 18, 4), ação que terminava com enxugá-los com uma toalha (Jo 12.3). Também os hóspedes lavavam suas mãos, como rito de purificação antes da comida (Mt 15, 2). A unção com perfumes era feita na cabeça do comensal. No Salmo 23, 5 lemos: Preparas uma mesa, unges minha cabeça com unguento e minha taça transborda. Se unicamente atendemos ao grego não podemos afirmar que sejam os pés os ungidos; pode ser que a unção seja na cabeça com o qual concordaria com Mc 14, 3. e Mt 26, 6. Porém, no versículo 48 se afirma que eram os pés, os ungidos. João diz sobre o mesmo sucesso que Maria de Betânia ungiu os pés de Jesus (12, 3). Talvez seja esta uma ação inusitada e por isso Jesus podia afirmar que era uma preparação para o dia de sua sepultura (12, 7). O unguento era uma preparação medicamentosa de uso externo, feita na base de ceras e resinas. No caso, a resina empregada é a mirra, produto de uma árvore que cresce nas regiões montanhosas da Arábia e Abissínia, cuja madeira produz uma goma-resina muito aromática de cor amarelenta ou pardo-vermelha, que se obtém como oxidação da resina que corre dentro da cortiça. Essa mistura de goma e resina é parcialmente solúvel em água e pode ser usada como pomada ao misturá-la com óleo, talvez do mesmo modo que hoje obtemos os perfumes, misturando-os com 60 % de álcool. O alabastro é um mineral de gesso de forma compacta que se apresenta como um material branco e translúcido, usado no lugar do vidro nas janelas das catedrais da idade média por ser translúcido e de fácil polimento. No tempo de Jesus era usado como material para a confecção de frascos de garganta estreita onde o unguento era armazenado. Bastava quebrar o longo pescoço para derramar seu conteúdo. Isso foi feito por Maria de Betânia, segundo Mc 14, 3.
A SUPOSIÇÃO DO FARISEU: Simão não pensa no ato de bondade da mulher, mas na reputação da mesma, certamente não boa, e na falta de tato de Jesus que não se deu conta de quem era a mulher. Caso fosse uma pagã ou judia casada com um pagão, o caso se complicava, porque implicava uma impureza legal. Os fariseus diziam que se alguém tocava as roupas do povo comum ficava poluído ou impuro. Por outra parte, acreditava-se que um profeta devia conhecer as pessoas e sua moralidade, especialmente se ele era o Messias, porque este não julgará segundo o que veem os seus olhos, não se pronunciará segundo o que ouvem seus ouvidos. (Is 11,3). Por isso a resposta de Jesus na parábola indiretamente responde a esta questão: sim ele conhecia quem era a mulher, e diretamente é uma lição de moralidade contrária ao que os fariseus pensavam sobre pureza e culpa, sobre pecado e retidão de conduta.
A PARÁBOLA: Os dois devedores foram perdoados de suas dívidas na totalidade. Um devia 500 denários e o outro dez vezes menos: 50. O denário era o salário de um dia de um trabalhador ( Mt 30, 2). Jesus pergunta a Simão: qual dos dois estará mais agradecido? Na realidade o verbo grego é amará mais, mas sabemos que as línguas semitas não têm a palavra agradecer que é substituída por abençoar ou amar. O fariseu responde corretamente: Suponho que será aquele a quem mais perdoou. E Jesus replicou: julgaste corretamente.
APLICAÇÃO: E tomando a parábola pelo inverso, Jesus conclui de modo absoluto: Os dois devedores eram a mulher a quem mais se perdoou e tu a quem menos foi remitido.Por isso as duas condutas são tão diferentes: Tu devias ter me lavado os pés (Gn 18, 4), dado o beijo [de reconhecimento como profeta que pensavas que eu fosse] (Êx 4, 27); como hóspede, nem me ungiste a cabeça com óleo como é costume (Sl 23, 5) e nada disto fizeste. Ela, pelo contrário, fez tudo isso em forma excelente. Por isso podemos deduzir que foi ela a quem muito se perdoou pois muito agradeceu . E Jesus termina com uma sentença que poderia ser um provérbio da época: A quem muito agradece [ama] é porque muito foi perdoado; mas a quem pouco se perdoa, pouco agradece[ama].
CONCLUSÃO: Então disse à mulher: Perdoados são os teus pecados. E os outros comensais começaram a murmurar: Quem é este que até perdoa pecados? Das palavras do Senhor deduzimos que o importante não é o pecado, mas o perdão, que será tanto mais completo quanto maior seja o amor demonstrado. Tanto Simão como a mulher eram pecadores. Simão, porém, demonstrou pouco amor porque aparentemente pecou pouco. Já a mulher demonstrou muito maior amor, porque o seu perdão foi muito maior. Que pouco atinge o pecado humano o Senhor e como é importante o amor que tanto o obriga, independentemente de quem seja o sujeito que ama! Deus, em sua riqueza infinita e sua bondade sem limites, pode perdoar de igual modo, tanto grandes pecados em número e classe, como pequenas e insignificantes falhas cometidas pelo homem. O que Ele procura é o agradecimento e o amor resultante desse perdão.
2a PARTE : AS MULHERES QUE O SERVIAM
AS MULHERES: Os que acompanhavam Jesus na sua missão de proclamar e anunciar o Reino de Deus eram de duas classes: os doze e algumas mulheres. Estas foram curadas de espíritos malignos e de doenças – dirá Lucas. E nomeia em primeiro lugar Maria, a chamada Madalena, da qual sairam sete demônios, como temos anteriormente descrito. Dela dirá S. Jerônimo que era viúva porque não tinha patronímico. Outra era Joana [favor de Deus], mulher de Cuza, administrador [epitropos] de Herodes Agripa. Era um pequeno governador de uma região, um camareiro, ou um administrador dos bens domésticos? Parece que esta última hipótese é a mais correta. Seria de certa idade ou talvez viúva porque não era permitida a separação entre esposos por tempo prolongado. Susana [açucena] é a outra mulher nomeada; dela nada sabemos fora deste versículo (8,3). Com suas posses ajudavam o Senhor e seu colégio apostólico.
PISTAS: 1) Jesus aceita um convite de quem, ao que parece, era seu inimigo; pois como diz o mesmo Lucas em 14, 1 os fariseus nessa ocasião o espiavam. Como diz Paulo, somos dados em espetáculo ao mundo, aos anjos e aos homens (1Cor 4,9). A eficácia da evangelização depende em parte de nossa conduta.
2) A conduta da mulher está valorizada por seu arrependimento e o trato com que cuida de Jesus. Todos nós temos de nos arrepender e todos nós temos um Senhor a quem servir e amar. E esta última devoção é a que dá sentido as nossas vidas.
3) Sempre existe uma razão para amar e perdoar, nunca há motivos para o desprezo e a rejeição. Dizem de Isabel I a Católica, rainha de Castela, que admitiu os dois filhos do Cardeal Mendonza, filhos da infidelidade do grande político ao seu voto de castidade e quis acolhê-los como seus familiares, que foi criticada. Ela se defendeu dizendo: não posso deixar que se percam.
4) A Igreja, que somos todos nós, deve se preocupar e muito a se arrepender ao ver como o Senhor disse e em realidade foi consequente com suas palavras que veio salvar o que estava perdido. Parece que nós, pelo contrário, estamos para santificar o que já está encaminhado.