Comentário Exegético – Sagrada Família

DOMINGO DA SAGRADA FAMÍLIA (Lc 2, 41-52)

(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)

 

 

INTRODUÇÃO: Parece que além de dar provas da verdadeira natureza humana de Jesus, o Espírito Santo quis deixar um exemplo para todos os adolescentes de como deveria ser seu comportamento com os pais terrenos e com o Pai dos céus. Este é o ensinamento que deriva de seu exemplo, quando perdido e achado no templo e quando voltando a Nazaré crescia em todas as ordens.

 

 

AS FESTAS: E seus pais iam todos os anos a Jerusalém na festa da Páscoa (41). Et ibant parentes eius per omnes annos in Hierusalem in die sollemni paschae. A lei de Moisés obrigava a peregrinação a Jerusalém de todos os maiores de treze anos nas três festas principais: Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos (Dt 16, 16). Não parece que tiveram obrigação os galileus e muito menos as mulheres.

 

 

DOZE ANOS: Quando, pois, chegou aos doze anos, subindo eles a Jerusalém, segundo o costume da festa (42), e acabados os dias da volta deles, permaneceu Jesus, o menino, em Jerusalém e não souberam seus pais (43). Et cum factus esset annorum duodecim ascendentibus illis in Hierosolymam secundum consuetudinem diei festi consummatisque diebus cum redirent remansit puer Iesus in Hierusalem et non cognoverunt parentes eius. Embora a idade era dos 13 anos após o BAR MITZWA, em que o menino era considerado maior de idade e, portanto, filho do mandato, que é a tradução direta do bar mitzwa. Desde o aniversário dos 13 anos, o menino estava sujeito aos 613 mandatos da lei e, por outra parte, adquiria o privilégio de ser contado entre os Minyan (literalmente número), que era o número mínimo para formar o culto na sinagoga. Muitas vezes eram pagos porque deviam deixar o trabalho para resolver os assuntos comuns e religiosos que exigiam sua presença. É bem verdade que a festa, tal e qual a conhecemos, tem uma data inicial tardia, século XV. O primeiro Sábado que segue seu 13o aniversário é o dia de seu Bar Mitzwa. Mas antes disso, o adolescente preparava-se aprendendo as noções fundamentais da história e tradições judaicas, as orações e costumes do povo, estudando os princípios que regem a fé judaica. Nesse sábado da comemoração, o jovem recitava um capítulo da Torah e um capítulo dos profetas (Haftará) com a melodia tradicional para estes capítulos, baseada numa escala de notas musicais, padronizadas para a leitura em público dos dois capítulos. A cerimônia religiosa era depois acompanhada com uma reunião festiva e familiar. Podemos dizer que era como a primeira comunhão. Escrito o original em aramaico, talvez possamos compreender que 12 e 13 se confundem e que Jesus teria os treze anos. Mas como temos visto aos 12 anos já entrava dentro dos exercícios de preparação e isso talvez seja o que Jesus disse a Maria: Devo ocupar-me das coisas de meu pai (2, 49).

A CARAVANA: Pensando, portanto, que ele estivesse na comitiva, percorreram um caminho de um dia e o buscavam entre os parentes e os conhecidos (44). Existimantes autem illum esse in comitatu venerunt iter diei et requirebant eum inter cognatos et notos. COMITIVA: O Sinedion grego indica um caminhar juntos, uma caravana (comitatus). Caminhavam dispostos em três seções: Na vanguarda estavam os mais jovens dispostos a repelir os bandidos com bastões e até espadas. No centro mulheres e crianças menores de doze anos e na cauda, com os mais velhos, os meninos maiores de doze anos. Os menores de doze anos podiam, pois, estar com as mulheres ou com os anciãos. Somente à noite é que os membros de uma mesma família se encontravam. Geralmente acostumavam percorrer 32 km por dia. Mas isso dependia das fontes de água. A primeira jornada era até Beerot a 16 km de Jerusalém, talvez pela dificuldade de encontrar água numa outra parada. No total eram três dias até a Galileia. Foi assim que a ausência de Jesus, só foi notada ao fim da primeira jornada.

 

 

A PERDA: E não o tendo encontrado, voltaram a Jerusalém, buscando-o (45). Sucedeu, pois, depois de três dias o encontraram no templo, estando sentado no meio dos doutores, tanto ouvindo-os como perguntando-os (46). Admiravam-se pois, todos os que o ouviam sobre a sua inteligência e as suas respostas (47). Et non invenientes regressi sunt in Hierusalem requirentes eum Et factum est post triduum invenerunt illum in templo sedentem in medio doctorum audientem illos et interrogantem. Stupebant autem omnes qui eum audiebant super prudentia et responsis eius. Durante o descanso noturno, as famílias se reuniram. Jesus não estava em parte nenhuma. Assim os pais, José e Maria, decidiram voltar a Jerusalém. Mais um dia de volta e mais um dia até encontrá-lo no templo. No total os três dias de que fala o evangelista, a não ser que o numeral seja tomado no lugar do indefinido, no lugar de adjetivos que as línguas semitas carecem, como alguns, poucos, vários, etc. de modo que o número três deixa de ser um cardinal para se transformar em plural mais ou menos definido. ENTRE OS MESTRES: A palavra usada por Lucas não é a usual para designar os escribas, (Nomikoi ou Grammateis) mas Didáskaloi com a qual Lucas designa o próprio Jesus (15 vezes) e que as línguas modernas traduzem por doutores. Há quem considere que no templo existia uma sinagoga e que nesta se ensinava a lei aos pequenos como em todas as demais da Palestina. Pode ser. Mas também era costume ensinar aos discípulos entre as colunas do pórtico de Salomão, como Jesus tinha costume de fazer, no templo: “estava sentado ensinando”(Mt 26, 55). Que os discípulos perguntassem era comum. Assim foram as perguntas dos fariseus (Mt 22, 15+), dos saduceus (Mt 22, 23 +) e do doutor da lei (Mt 22, 41+). A Rabi Hanina se atribui este ditado: “Tenho aprendido muito dos meus mestres e mais dos meus condiscípulos…Porém de meus discípulos mais do que todos”.

 

 

POR QUE: E vendo-o, se admiraram; e dirigindo-se a ele sua mãe disse: Filho, Por que nos fizeste assim? Olha, teu pai e eu angustiados te procuramos (48). Et videntes admirati sunt et dixit mater eius ad illum fili quid fecisti nobis sic ecce pater tuus et ego dolentes quaerebamus te. Logicamente, assistimos a uma situação completamente nova na relação filho-pais. Como dirá depois o evangelista, a obediência e submissão de Jesus, era o dia a dia de sua relação com seus pais. Como um filho semelhante, sem pedir licença, podia ser causa de tamanha angústia de seus pais?

 

 

A RESPOSTA: E lhes disse: que (é) isso, por que me buscáveis? Não sabíeis que nas coisas de meu Pai devia estar? (49). Et ait ad illos quid est quod me quaerebatis nesciebatis quia in his quae Patris mei sunt oportet me esse.Na resposta de Jesus, parece que tanto Maria como José deviam estar cientes de que Jesus não lhes pertencia totalmente. Por isso, a frase que temos traduzido como nas coisas de meu Pai tem estas interpretações: a) Na casa do meu Pai. Foi a preferida pelos padres da Igreja contra os gnósticos que rejeitavam o AT e o Deus dos hebreus. Com estas palavras, Jesus declara ser seu Pai o mesmo que habitava o templo de Jerusalém, ou seja, Jahveh (Sl 23,6).- b) Nos assuntos do meu Pai: como a Vulgata traduz o texto grego. -c) Entre os amigos do meu Pai, pois os pais, Maria e José o buscaram inutilmente entre os consanguíneos e conhecidos. A resposta é que não era entre estes últimos, mas entre os que eram amigos e conhecidos do Pai que deveriam ter buscado. O verdadeiramente importante era que Jesus devia amoldar sua vida às exigências de seu Pai, exatamente como o diria com toda claridade em Mt 12, 48 quando o buscam os parentes: quem é minha mãe e quem são meus irmãos? Aos 12 anos, vésperas de sua independência, como filho da lei, Jesus mostra qual é seu caminho e qual a verdadeira vontade que deve dirigir sua vida em obediência.

 

 

A PROFECIA: E eles não entenderam a palavra que lhes falou (50). Et ipsi non intellexerunt verbum quod locutus est ad illos.Infelizmente tanto o latim como as línguas vernáculas não tem essa distinção entre logos e rema.Logos é termo geral e rema é o pronunciamento, a sentença e no caso de um homem de Deus a profecia, como aqui. Esse estar sempre atento às coisas do Pai para lhe obedecer era a vida de Jesus que na sua primeira decisão independente, segundo a lei, tomava como atitude total de sua vida; como diz Paulo se fez obediente até a morte e morte de cruz (Fp 2, 8).

 

 

FILHO TAMBÉM DOS HOMENS: E desceu com eles e veio a Nazaré. E era submisso a eles. E a mãe dele guardava todas estas palavras em seu coração (51). Et descendit cum eis et venit Nazareth et erat subditus illis et mater eius conservabat omnia verba haec in corde suo. Com estas palavras, Lucas quer deixar claro que Jesus não foi um rebelde, mas um menino obediente e exemplar para com seus pais. Também parece que indiretamente indica qual foi a fonte destas atuações surpreendentes em Jesus, para logo tê-las como verídicas: a memória exata de Maria que nestas angustiosas circunstâncias gravava tudo como se fosse um disco de memória.

 

 

O CRESCIMENTO: E Jesus crescia em sabedoria, em idade e em graça diante de Deus e dos homens (52). Et Iesus proficiebat sapientia aetate et gratia apud Deum et homines. É notável ver como Lucas repete em 2,52 o que tinha dito em 2,40: ”O menino crescia e se fortalecia, cheio de sabedoria, e a graça de Deus estava nele”. Tomando como modelo 1 Samuel 2:26: “Mas o jovem Samuel crescia em estatura e no favor do Senhor e dos homens”. O único novo no Jesus de Lucas é o crescimento em sabedoria, sem dúvida, uma clara conclusão de seu contato com os mestres de Israel. Porque a graça de Deus pode ser traduzida pelo “O senhor estava com ele”. Graça aqui significa agrado, pois vemos como Lucas acomoda o dito de Samuel a Jesus. A medida que Jesus crescia ia mostrando com fatos a sua sabedoria e cada vez mais Deus estava com ele e os homens admiravam sua bondade, de modo que mais e mais cada dia era digno da admiração e beneplácito de Deus e dos homens.

 

 

UM CONVITE: Levantar ou arrumar uma árvore de Natal é colocar um objeto de adorno dentro de uma residência. Arrumar um presépio é introduzir uma família a mais dentro da nossa. É uma família que pede hospedagem, não material, porque geralmente é colocada no lugar mais importante da casa, mas de tipo espiritual, de sentimento, de fé e de amor. Embora um presépio não fale, devemos prestar atenção às palavras do poeta: “Há palavras que são ditas em silêncio. Há silêncios que valem por muitas palavras. Há fatos que valem por palavras nunca antes pronunciadas. São fatos que convidam ou reprovam, que aplaudem ou recriminam”. Dos tais, é o fato do Natal do menino que Deus assumiu em pessoa como elemento humano do Verbo. Seu nascimento é um convite ao amor e à reflexão. Amor principalmente de como Deus quer ser humano e habitar entre os humanos. Reflexão de como nós humanos queremos viver nossa humanidade já assumida por Deus totalmente num homem chamado Jesus.

Deus teve escolha para nascer do jeito que Ele queria. Podia ser rico e nasceu pobre para que todos pudessem ver nele o modelo de homem novo do seu evangelho. Escolheu uma virgem como mãe, não unicamente para indicar a paternidade verdadeira, mas para demonstrar que o prazer não é a fonte total da vida. Pastores, para demonstrar que sua vida era mais de pastor que cuida do rebanho que do rei que o governa. Uma família para significar que o amor nasce com a vida e esta vincula os homens com laços que devem ser eternos.

Mas seu Natal é também para nós um convite: O amor de Deus exige uma resposta. Queremos aproveitar a lição ou tentaremos buscar nossa felicidade dentro de nosso egoísmo, que será quem finalmente dite nossas respostas? Já sabemos o resultado das mesmas porque o álcool, a droga e o sexo-livre escravizam, dominam e matam. Se queremos viver a vida legítima e verdadeira, Jesus nos mostra o caminho, sua família o ambiente, seu Natal a verdade. O Natal é um convite para que creiamos no Amor, adoremos o Amor e vivamos imitando o Amor.

Facebook
Twitter
LinkedIn

Biblioteca Presbíteros