Homilia Sexta-Feira da Oitava do Natal – vésperas da Solenidade da Mãe de Deus – Tempo do Natal | Ano C

Terminar o Ano com a Mãe de Deus

Nas vésperas da Solenidade da Mãe de Deus – C – Nm 6,22-27; Sl 66; Gl 4,4-7; Lc 2,16-21 (Como já é costume, pode-se celebrar na noite anterior ao dia 1º de janeiro a Missa de Ação de Graças pelo ano que finda, utilizando a Missa da Maternidade divina. É por isso que citamos os mesmos textos bíblicos que os da Maternidade divina)

No Evangelho de hoje aparece duas vezes o nome de Maria Santíssima. Quanto à primeira, meditaremos nesta noite de passagem de ano; a segunda ficará para o dia de amanhã. Lc 2,16 afirma que eles “foram então às pressas, e encontraram Maria, José e o recém-nascido deitado na manjedoura”. Maria está onde deve estar, perto de Jesus e de José, unida ao Santo dos Santos e ao homem mais santo que já existiu; contudo, ela é a mulher mais santa que já existiu. Quando dizem por aí que Maria é uma mulher qualquer, dá até pena de quem o diz, já que está muito equivocado. Na verdade, uma mulher qualquer não é Mãe de Deus. Exatamente: como Jesus é Deus e Maria é mãe de Jesus, temos que concluir que ela é a Mãe de Deus.

É bem sabido que o Concílio da maternidade divina foi o de Éfeso, ainda que indiretamente. Vejamos um pouco sua história: Nestório (+451) era bispo de Constantinopla, onde tinha chegado o prestígio da escola de Antioquia. O Patriarca da “segunda Roma” sublinhava tanto a distinção das naturezas que chegou a afirmar que em Cristo havia duas pessoas. A união do divino e do humano em Cristo era considerada por Nestório como algo extrínseco e confuso. Sendo assim, em Cristo, há duas pessoas: a divina e a humana, mas tão unidas que formam uma espécie de uma única pessoa, constituindo certa pessoa de união. Essa maneira de pensar sobre Cristo levou-o a dizer que Maria não era Mãe de Deus (Theotókos), mas tão somente (Christotókos), mãe da pessoa humana de Jesus. Parece que o erro de Nestório foi porque ele pensava que toda natureza constitui necessariamente uma pessoa. Ao contrário, a Igreja entendeu esses conceitos (natureza, pessoa) no sentido comum, isto é, natureza é um princípio de operações, mas quem possui o ser e pode atuar é a pessoa.

No contexto das disputas teológicas do século V, São Cirilo de Alexandria (+444) reagiu contra a doutrina do bispo de Constantinopla. Ambos se excomungaram e a situação foi se complicando. Teodósio II convocou então o Concílio de Éfeso (431), presidido por Cirilo, no qual a doutrina de Nestório foi condenada. O próprio Nestório, ao não aceitar a doutrina do Concílio, foi deposto da sua Sede com a aprovação do Papa Celestino e recluído num mosteiro.

Resumidamente, segundo o Concílio de Éfeso, Cristo é uma só pessoa, ele é perfeito Deus e perfeito homem por causa da união da natureza divina com a natureza humana; Maria é Mãe de Deus (Theotókos) porque gerou o Verbo, não segundo a divindade, mas segundo a sua humanidade; Cristo é o Filho de Deus que se fez homem, ele não é um homem divinizado ou adotado por Deus; a carne de Cristo é vivificadora por ser a carne do Verbo; Cristo deve ser adorado com uma única adoração (isto é, não deve ser adorado como Deus e separadamente como homem), ao Verbo se atribuem também as operações e paixões humanas de Jesus . O que aqui sintetizamos, se poderá ler na famosa Segunda Carta de Cirilo a Nestório, escrita em fevereiro do ano 430, texto este que foi lido e aprovado no Concílio de Éfeso, no dia 22 de junho do ano 431.

Santo Tomás de Aquino, antes de argumentar, afirma que o ensinamento de Nestório, que diz que Jesus é “chamado Filho de Deus, não porque seja verdadeiro Deus, mas devido à inabitação n’Ele do Filho de Deus que fez pela graça”, contradiz a Sagrada Escritura. Logo depois, explica o seguinte: “com efeito, a esta união de Deus com o homem o Apóstolo chama aniquilamento, conforme se lê: ‘Ele, estando na forma de Deus não usou de seu direito de ser tratado como um Deus, mas despojou, tomando a forma de escravo’ (Fil 2,6-7). Não há, porém, aniquilamento de Deus por in-habitar pela graça em uma criatura racional. Se o houvesse, o Pai e o Espírito Santo também seriam aniquilados porque ambos in-habitam na criatura racional pela graça, conforme o Senhor refere-se a Si mesmo e ao Pai: ‘Viremos a ele e nele faremos morada nossa’ (Jo 14,23), e, o Apóstolo, ao Espírito Santo: ‘O Espírito de Deus habita em nós’ (I Cor 3,16)” .

O Concílio de Éfeso “assenta os seus ensinamentos na união das duas naturezas de Jesus Cristo num único sujeito pessoal, na união segundo a hypóstasis: trata-se de uma união incompreensível, mas que é real e ontológica. O Verbo na verdade tornou sua a natureza humana, de tal forma que lhe pertence realmente, não só moralmente. O Verbo é o único sujeito de todos os atos divinos e humanos de Cristo, como ensina o símbolo de Nicéia (o filho de Deus eterno, pelo qual se fizeram todas as coisas, encarnou de Maria Virgem, foi crucificado, foi sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia etc.)” .

A partir da afirmação dogmática de Maria como Mãe de Deus, pode-se afirmar todas as demais verdades sobre Nossa Senhora: ela é a Sempre Virgem por que é a Mãe de Deus; é a Imaculada porque é a Mãe de Deus; é Assunta ao céu por que é Mãe de Deus. Desta maneira, a maternidade divina é a verdade central em torno da qual todas as demais se resolvem.

Terminar o ano na companhia da Virgem Maria, terminá-lo nessa presença materna é uma grande honra para cada um de nós. Sentimo-nos, de fato, acolhidos, apertados pelos braços maternais de Maria, preparados para dar graças, animados para pedir perdão e para suplicar novas graças. Enfim, com Maria terminamos o ano, com ela o iniciamos.

Padre Françoá Costa
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