Homilia Quinta-Feira da Semana Santa | Ano C

O mistério da quinta-feira santa

Quinta-feira Santa – C – Ex 12,1-14; Sl 115/116; 1 Cor 11,23-26; Jo 13,1-15

Hoje Jesus lava os pés, institui o sacerdócio cristão e o sacramento da eucaristia. Lavar os pés dos apóstolos é, na verdade, ensinar-lhes como devem ser sacerdotes e sua função principal, servir eucaristicamente. Isto é, o gesto externo de lavar os pés significa serviço, o qual se dá no sacerdócio, cuja principal função é celebrar a Eucaristia, na qual o próprio Cristo serve os seus fiéis o que há de melhor, pois ele mesmo se dá como banquete sacrificial. Portanto, a centralidade do dia de hoje encontra-se no sacerdócio e na eucaristia como serviços.

Nas horas dos sofrimentos de Jesus, cheias de drama, de dor e de amor, ele “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Ainda que seria suficiente uma simples gota do sangue de Cristo para salvar a todos os seres humanos de todos os tempos, ele quis deixar bem claro que ele nos ama de uma maneira bastante forte: quis derramar todo o seu sangue, quis morrer na cruz, quis deixar o seu sangue e a sua cruz para nós no sacramento da eucaristia. Pois, o que é  a eucaristia senão a atualização do amor doloroso de Cristo na sua paixão, morte e ressurreição? A Missa é o maior mistério de amor ao qual nós temos acesso nos dias atuais, porque atualiza o maior mistério do amor que aconteceu no Universo. Ele nos amou até o fim.

Na Bíblia, nós temos quatro relatos sobre a instituição do sacramento da Missa: Mt 26,26-29; Mc 14,22-25; Lc 22,15-20; 1 Cor 11,23-26. De todos esses relatos, o mais antigo é o da primeira carta de São Paulo aos Coríntios e data, aproximadamente, do ano 55 d. C. O texto de Paulo, também lido na Missa de hoje, é uma “parádosis”, uma Tradição, diante da qual o Apóstolo nada pode fazer a não ser transmitir fidelíssimamente. Pois bem, assim como o texto de Jo 13,1 afirma que o Senhor amou-nos até o fim, o texto de São Paulo manifesta em que consistiu esse amor: no contexto da sua paixão dolorosa, Jesus entrega aos seus fiéis seguidores o seu corpo e o seu sangue de maneira sacramental, isto é, na aparência do pão e do vinho, para que tenhamos acesso à Páscoa eterna: “Todas as vezes, pois, que comeis desse pão e bebeis desse cálice, anunciais a morte do Senhor até que ele venha” (1 Cor 11,26). Veja bem, na Missa, cada vez que nós a celebramos, recordamos a morte do Senhor, através da qual temos acesso à ressurreição e ao céu.

O amor extremo de Jesus Cristo é oferecer a sua morte a cada um de nós como passagem rumo à eternidade. É como se a sua carne, o seu corpo, fosse um muro que se encontra entre o nosso tempo e a eternidade divina. A morte de Jesus fura esse muro de tal maneira que através desse buraco no muro, que é o corpo de Jesus, nós temos acesso ao outro mundo, a feliz eternidade. Consequentemente, sem a generosidade de Jesus na sua paixão e morte, não teríamos esse muro cavado para nós, esse acesso à eternidade, nem teríamos como ir à eternidade do Pai. A Missa, a Eucaristia, é o ponto mais alto do amor de Jesus por nós porque torna presente de maneira sacramental aquele ponto mais alto do amor de Jesus por cada ser humano: sua morte dolorosíssima.

Esse gesto de amor de Jesus deixou os seguidores de Jesus muito boquiabertos: sabíamos que Deus nos amava, mas… tanto assim! São Paulo foi um desses extasiados diante da imensidão do amor de Deus: “Dificilmente alguém dá a vida por um justo; por um homem de bem talvez haja alguém que se disponha a morrer. Mas Deus demonstra seu amor para conosco pelo fato de Cristo ter morrido por nós quando éramos ainda pecadores” (Rm 5,7-8). Mais ainda, morreu por nós e nos deixou um acesso à sua morte salvadora. Esse acesso é o muro com um espaço aberto através do qual nós temos acesso ao Pai pelo Espírito Santo. Se fôssemos verdadeiramente conscientes do que é a Santa Missa, não a perderíamos jamais, pelo contrário, andaríamos de igreja em igreja procurando a próxima Missa parecendo loucos esfomeados pelo corpo e pelo sangue do Senhor. De fato, cada vez que recebemos o corpo de Cristo através da tão somente espécie do pão, comungamos o Cristo inteiro, seu corpo, seu sangue, sua alma e sua divindade, uma vez que não se pode comungar um corpo sem sangue. Sempre é o Cristo inteiro que se nos entrega na comunhão.

Mas, cuidado! Diante da grandiosidade do amor de Deus, vejam o que fizeram com Jesus: Judas e o diabo se aliaram para entregar Jesus. É muito fácil ver a ação do diabo em cada pecado nosso, pois em cada pecado há sempre a presença nossa quais Judas e do diabo qual mentiroso. Todo pecado é uma ação de aliados entre cada um de nós e o diabo. Ao pecar, trabalhamos juntos com o diabo. Desta feita, o Apóstolo Paulo, depois de falar da maravilha que é a Eucaristia dirá aos cristãos de seu tempo, porém válido para todos os cristãos de todos os tempos: “Cada um examine a si mesmo antes de comer desse pão e beber desse cálice, pois aquele que come e bebe sem discernir o Corpo come e bebe a própria condenação. Eis por que entre vós há tantos débeis e enfermos e muitos morreram” (1 Cor 11,28-30). Não se pode comungar em pecado mortal! Nesta Quaresma, preparamo-nos pela confissão e pelas penitências para bem receber o corpo do Senhor. Comungar em pecado mortal é trair Jesus Cristo, é ofendê-lo gravemente; também é adoecer a alma.

Há na Igreja dos nossos tempos uma promoção amplíssima de que todos os fiéis se aproximem da comunhão sem a devida preparação, inclusive algumas autoridades da Igreja têm aprovado que pessoas em situação pública de pecado venham e recebam o corpo do Senhor. Não será essa a causa de que há muitos adoentados, doentes, enfermos, entre nós? Vejam a baixa qualidade do nosso catolicismo, observem a diminuição de fé no mundo e no Brasil, deem-se conta da fraqueza e da liquidez da fé dos católicos. Comungar em pecado mortal é ir minando a fé e os bons costumes, logo a presença dos cristãos na sociedade não significará coisa alguma, como de fato tem acontecido em muitos setores da sociedade.

Pelo contrário, as pessoas que comungam na graça de Deus, que não jogam fora o sangue de Cristo nem pisam no corpo do Senhor através das comunhões mal feitas, são almas que vão se configurando cada vez mais a Jesus Cristo e, voluntária ou involuntariamente, transformam-se em apóstolos dos tempos atuais pelo seu exemplo e pela sua palavra, são pessoas que acabam incomodando fora e dentro da Igreja. Os cristãos piedosos para com o sacramento da eucaristia são pessoas que por vezes ofuscam com sua luz, mas acolhem a todos com o calor da caridade.

Queria propor a todos vocês que façamos um belo propósito: nunca comungar quando estivermos em pecado mortal. Primeiramente vamos confessar. Meus queridos, de minha parte quero uma Igreja sadia, apesar dos nossos pecados. Quando surgir a doença, iremos ao médico espiritual, o padre, no sacramento da cura, ou seja, da confissão e da misericórdia. Deixemos Jesus lavar os nossos pés no sacramento do perdão, para que tenhamos parte com ele. Foi ele mesmo quem o disse: “Se eu não te lavar, não terá parte comigo” (Jo 13,8).

A maravilha do sacerdócio, hoje instituído por Nosso Senhor, reside precisamente nesse mistério: poder perdoar com a misericórdia da morte do Senhor e poder atualizar essa mesma morte misericordiosa como acolhimento dos que foram lavados no seu sangue. Esse é o mistério que está por detrás do gesto de lavar os pés: limpar as almas imortais (confissão) e fazê-las servidas pela graça da salvação (eucaristia). É para precisamente para esse dois sacramentos que existe o sacerdócio católico: perdoar e celebrar. Todas as outras atividades podem ser conferidas a outras pessoas, menos essas duas: perdoar em nome e na pessoa de Jesus Cristo e tornar presente o seu corpo e o seu sangue, realidade salvadora para cada um de nós e para o universo inteiro.

Amem o sacerdócio, rezem pelos seus padres, pois o ser padre é ser Cristo para as pessoas. O respeito pelos padres brota precisamente dessa visão de fé, pois vemos Jesus nos padres, eles agem fazendo as vezes de Cristo, im-personando Cristo. Se não fosse assim, os sacerdotes, os padres católicos, não poderiam perdoar os pecados nem consagrar o pão e vinho no corpo e no sangue de Jesus. Rezem muito pelos padres, porque já que o demônio sabe a maravilha que é o sacerdócio, ataca os padres de todas as maneiras. Nem na quinta-feira santa deixou de atacar um padre. O que era Judas senão um padre? No início éramos 12 padres, 11 padres fiéis e 1 traidor. Isso significa que quando houver 24 padres, haverá 23 fiéis e 2 traidores; quando houver 48 padres, haverá 44 fiéis e 4 traidores; quando houver 96, 88 serão fiéis, 8 serão traidores; quando houver 414 mil sacerdotes (número atual aproximado), 379.500 serão fiéis e 34.500 serão traidores. Eita! Rezem muito por nós. Levamos um tesouro em nossas mãos, o perdão dos pecados e a eucaristia, mas o demônio sempre está querendo fazer um pacto conosco para que entreguemos Jesus Cristo por 30 moedas de prata!

Padre Françoá Costa

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