Homilia do Padre Françoá Costa – Sexta-feira Santa – Ano A

Três senhores aos pés da cruz

Escutei o Evangelho da Paixão muitas vezes na minha vida. Sempre me pareceu demasiado largo, frequentemente estive um pouco distraído. Finalmente, vem aquele momento no qual nos ajoelhamos e, um pouco mais, e termina a grande narração começada há quase nove minutos atrás. No entanto, é preciso admitir que o drama que contêm essa narração é impressionante. Tudo isso porque Deus me ama. Maravilhoso! Da próxima vez, estarei mais atento.

Também quanto à atenção e a vigilância, S. Bernardo, num sermão sobre a Paixão do Senhor, escrevia: “sede vigilantes, meus irmãos, com todo o vosso coração, para que esse tempo não se termine infrutuosamente. A benção de Deus é generosa. Disponde taças limpas, almas devotas, sentidos despertos e afetos sóbrios. Tereis que apresentar puras as vossas consciências para receber tantos dons da graça. (…) Todos os cristãos durante essa sagrada semana exercitam-se generosamente na piedade, mostram-se modestos, seguem a humildade, vivem a gravidade, para que de algum modo pareça que se compadecem com Cristo padecente”.

Essas palavras me lembram, mas em sentido contrário, daqueles três senhores cujos nomes eu não pude esquecer. Como frutos que são da minha imaginação, aí permanecem me alertando, também em sentido contrário, para que eu esteja mais atento às palavras do Evangelho e àquelas antes citadas de S. Bernardo. Com relação àqueles três senhores, eu os encontrei na Sexta-feira Santa, há dois mil anos atrás. Era um dia bastante diferente, como hoje. Fiquei sabendo que Jesus de Nazaré havia morto e resolvi dar uma passadinha pelo local que me tinham indicado, o Calvário. Além de encontrar lá a mãe de Jesus e um jovem muito valioso para Jesus, que me disseram que se chamava João, vi aqueles três ditos cujos que estavam um pouco distante da cruz e faziam alguns comentários que eu, por curiosidade, não pude deixar de escutar. Lembro-me que se chamavam Sr. Perfeito, Sr. Tranquilo e Sr. Tragédia. Estavam lá, aos pés da cruz, mas indiferentes. Fiquei um pouco assustado com a atitude daqueles três homens e os escutei como grande pesar.

O Sr. Perfeito tinha uma maneira curiosa de ser, parecia uma caricatura de nobres de tempos futuros, olhava para os seus dois companheiros de maneira altiva e com uma pose do século das luzes, e comentava: “Esse que morre na cruz? Bem feito. Ele não queria destruir os nossos costumes? Não foi ele quem quebrantou os nossos sábados com aquelas curas? Como ousou permitir que os seus discípulos recolhessem espigas no sábado? Assim devem morrer os malfeitores, aqueles que se fazem passar por espertinhos. Ele até chegou a dizer que é o filho de Deus. Imagine só! Nem eu que guardo todos os sábados estritamente, que faço frequentes jejuns, que ajudo a toda a plebe com as minhas possessões, que sou bom e generoso, que vou ao templo com grande devoção, que sempre vivi de maneira irrepreensível os mandamentos dados a Moisés digo essas coisas. Nem eu que dou esmola, que faço todas as minhas orações, que não sou criminoso e nem ladrão… nem eu me faço chamar “ungido do Senhor”. Eu, com todas as minhas qualidades, não ouso chamar-me filho de Deus. Agora vem esse Galileu que come com pecadores e diz que é o filho de Deus altíssimo?! Era só o que faltava!” Enfim, escutando essas palavras pensei comigo que é melhor ser pecador e humilde em processo de conversão que justo aos próprios olhos e soberbo.

O Sr. Tranquilo, sem fazer demasiado esforço, escutava as observações do Sr. Perfeito, e acrescentou: “Não se preocupe. Não sei porque agitar-se com um pregador de novas ideias. Os jovens sempre gostaram das novidades. Nós, que somos pessoas que já aprendemos muito da vida, gostamos mais das tradições, da estabilidade e da paz. Tudo passará. Não se preocupe, Sr. Perfeito, tudo seguirá igual. Alguns continuarão matando e roubando, outros continuarão sendo dignos de admiração e de louvor. Eu nenhuma das duas coisas aspiro, só desejo que me deixem viver em paz e que não me incomodem, nem galileus e, muito menos, os romanos.” As palavras daquele homem me lembraram da aparente tranquilidade do egoísmo e me ajudou a pedir a Deus que eu não seja indiferente e que eu não me acostume aos mistérios de Deus e aos mistérios da vida mesma.

O Sr. Tragédia estava que não aguentava mais, tinha uma vontade explosiva de manifestar-se, de dizer o que pensava: “Meus amigos, Perfeito e Tranquilo, vocês não terminam de entender o que está acontecendo. Que tempos são esses? Um agitador em nosso meio e o deixam solto por tanto tempo. Deveriam tê-lo matado antes. Desse jeito a nossa sociedade vai se acabando e os romanos acabaram por destruir-nos. Se continuarmos assim, seremos merecedores de um novo exílio ou de uma perseguição cruenta. Deus nos livre dessas autoridades que não tomam uma iniciativa mais imediata nas coisas”. Ao escutar essas palavras voltei a fixar os meus olhos no Crucificado, na sua dor silenciosa e na paz refletida no seu rosto. Houve um momento em que ele olhou para mim e para aqueles três. Percebi que os gritos, as hipocrisias, os falsos alarmes… são atitudes dramáticas que não ajudam a construir. O seguidor de Cristo também deve estar sereno, ainda que fosse crucificado.

João, o jovem que estava perto de Maria, parece ter escutado algo dessas conversas, mas os seus sentidos estavam tão postos na dor de Jesus e de Maria que teve dificuldade em discernir as palavras que os três “bonachões” diziam. Continuava simplesmente agradecendo a Deus por tantas provas da sua bondade para com ele. Fiquemos perto desse jovem amigo de Jesus. Não nos esqueçamos de que João foi fiel porque estava ao lado de Nossa Senhora. Os insensatos de todos os tempos continuarão fazendo considerações vazias. Nós, não perderemos tempo: que os nossos sentidos estejam postos no Senhor, com uma verdadeira dor de amor porque somos pecadores, agradecidos pelas provas da grande caridade do nosso Deus para conosco. Os acontecimentos da cruz ficaram gravados na mente e no coração do jovem João. Anos mais tarde, ele escreveria com todo o convencimento: “Nisto consiste o amor: não em termos nós amado a Deus, mas em ter-nos ele amado, e enviado o seu Filho para expiar os nossos pecados” (1 Jo 4,10).

Pe. Françoá Costa

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