Homilia do Padre Françoá Costa – Quarta-feira de cinzas

Escalada quaresmal

 

Certa vez João XXIII recebeu no Vaticano uma delegação de paraquedistas franceses, aos quais teceu um grande elogio por causa da sua profissão. Perfilados e briosos, estavam os soldados em continência diante do Papa, de cujo elogio se sentiam orgulhosos. Mas, aos poucos a conversação do Pontífice transformou-se em exortação: “aprendeis com grande entusiasmo como se faz para cair do céu; não quero, porém, que vos esqueçais como se faz para subir aos céus”.

Queremos subir aos céus Nós sabemos como subir ao céu A pergunta não é ingênua nem desnecessária, pois muitos querem subir aos céus, mas não sabem o caminho, que é Cristo: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6). O caminho que o Senhor percorreu e que, de uma maneira concreta, nos indicou foi o da santa cruz. Efetivamente, nós começamos a quaresma comemorando a cruz em nossas vidas através da abstinência de carne (a partir dos 14 anos de idade) e do jejum (a partir dos 18 anos até os 60 começados). Na raiz da alegria que o cristão sente encontra-se a santa cruz. “Onde a mão sente a picada dos espinhos, os olhos descobrem um ramo de rosas esplêndidas, cheias de aroma” (S. Josemaría Escrivá).

“Rasgai vossos corações” – nos diz o profeta Joel (2,13) –, mas rasgai-o através da mortificação, da penitência, de uma entrega generosa ao Senhor e através do trato íntimo com Deus na oração. Rasguem os seus corações no Sacramento da Reconciliação, não esperem que chegue a Semana Santa para confessar-se (pode acontecer que não dê tempo… as filas podem ser enormes!). “Agora é o tempo favorável, agora é o dia da salvação” (2 Cor 6,2). Nesta quaresma é bom fazer o de sempre – oração, jejum e esmola –, porém, com maior fervor.

É preciso dedicar um tempo para estar com o Senhor, para conversar com ele. Ele falará aos nossos corações, nos instruirá. É muito aconselhável meditar a Paixão de Cristo, quem sabe ver aquele filme de Mel Gibson que leva esse título. Santo Tomás de Aquino dizia que “a paixão de Cristo é suficiente para informar toda a nossa vida. Quem quiser viver perfeitamente, basta que despreze aquilo que Cristo na Cruz desprezou e deseje aquilo que Ele na Cruz desejou”. Na Paixão do Senhor encontraremos o exemplo de caridade, paciência, humildade, obediência, desprendimento, pobreza, temperança etc. Imitemos a Cristo, nosso único modelo; foi assim que muitos dos nossos irmãos foram santos: eles imitaram a Cristo.

Sem esvaziar o significado original do “jejum”, plenamente válido, vamos ampliá-lo a todas aquelas mortificações que nós fazemos no dia-a-dia e que contribuem à felicidade dos outros. Exemplos de mortificação: sorrir também quando não se tem muita vontade, ceder o lugar para uma senhora de idade no ônibus, não pegar sempre o bife maior da frigideira, ficar alguma vez sem um café da manhã, levantar na hora certa e sem demora, deixar de comer alguma coisa gostosa ou pelo menos comer menos da mesma, não ser caprichoso na comida (comer também aquilo que não se gosta), entre outras. Todas as nossas mortificações terão o tamanho do nosso amor para com o nosso Deus e Senhor. Aceitemos – e essa é penitência assaz agradável a Deus – aqueles sacrifícios que nós não buscamos, mas que são-nos oferecidos no dia-a-dia: as contradições, as dores de cabeça, a doença que nós achamos inoportuna etc.

A palavra “esmola” pode ser traduzida pelo empenho que nós colocamos em servir aos outros. É uma luta constante, já que o nosso egoísmo muitas vezes não nos permite pensar nos demais. Como se não bastasse o egoísmo, vem também o orgulho – bradando que não quer servir – e a preguiça – que impede a execução do bem apreendido pela inteligência e desejado pela vontade.

Quando vamos corresponder a tanto amor de Deus Até quando continuaremos a acender uma vela a São Miguel e outra ao diabo A quaresma é um tempo para deixar que Deus conserte as nossas vidas, para fazer penitência pelos próprios pecados, talvez pelos cometidos no carnaval, por exemplo. Jesus passou no deserto 40 dias em oração e fazendo penitência. Unamo-nos ao Senhor nesses 40 dias em oração e em penitência. Não podemos perder tempo! Pode ser oportuno lembrar que um ano a mais é um ano a menos, estamos cada vez mais próximos da eternidade. Além do mais, nós sabemos como subir ao céu porque Cristo nos ensinou.

O caminho não é largo, é estreito. Seria bom que entrássemos em regime para passar pela porta estreita. Falo do regime espiritual que consiste em abandonar o mal que se encontra nas nossas vidas e em apegar-nos ao bem. Para isso, é importante que você tenha um plano concreto de oração e de penitência: qual é o dia do seu jejum O que você vai renunciar nessa quaresma como prova do seu amor a Deus Já pensou em meditar a Via Sacra às sextas-feiras da quaresma Participará da procissão da penitência Deus gosta que sejamos bem objetivos no plano da nossa santificação, que tenhamos propósitos concretos, que coloquemos em prática sem demora aquilo que nós determinamos.

Por outro lado, a quaresma não é um tempo triste, é um tempo de preparação para celebrar a grande solenidade da Páscoa do Senhor. A oração, o jejum e a esmola dar-nos-ão a alegria de saber-nos muito pequenos diante do nosso Pai do céu e de abandonar-nos em suas mãos, sabendo que somos pó e ao pó retornaremos.

 

Pe. Françoá Costa

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