Homilia do Mons. José Maria – XXIV Domingo do Tempo Comum – Ano A

Condição para receber o Perdão

Hoje a Palavra de Deus nos propõe o grande tema do perdão. Todos os dias aparece a lógica do “responder na mesma moeda”, a lógica da vingança e do ressentimento. Famílias destruídas, laços de amizade desfeitos, povos em guerras. São mecanismos de vingança e rancor responsáveis por sofrimentos e dramas sem fim e por uma espiral de violência e ódio sem limites.

Diz o Senhor no livro do Sirácida (Eclesiástico): “Quem quer vingar-se encontrará a vingança do Senhor, que pedirá severas contas dos seus pecados. Perdoa ao próximo que te prejudicou: assim, quando orares, teus pecados serão perdoados. Um ser humano guarda raiva contra outro:  como poderá pedir a Deus a cura? Se não tem compaixão do seu semelhante, como poderá pedir perdão dos seus pecados?” (Eclo 28, 1-4.)

Quem não perdoa o irmão, não poderá exigir o perdão de Deus.

O pensamento da morte nos faz pensar diferente: ”Lembra-te do teu fim e deixa de odiar; pensa na destruição e na morte e persevera nos mandamentos” (Eclo 28, 6-7).

A felicidade do homem não está em cultivar sentimentos de ódio e de rancor, mas sim em cultivar sentimentos de perdão e misericórdia.

No Evangelho (Mt 18, 21-35), Pedro consulta Jesus sobre os limites do perdão: “Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” Jesus respondeu: Digo-te, não até sete vezes, mas até setenta vezes sete vezes”. Isto é, SEMPRE e todos, um perdão sem limites, inclusive aos inimigos que os judeus não incluíam.

O perdão não deve ficar na quantidade, mas na qualidade, de coração.

Jesus conta a parábola de um empregado que devia uma fortuna imensa e, por compaixão, foi perdoado. Em seguida, ele, sem compaixão, se recusa a perdoar um companheiro que lhe devia uma quantia irrisória : “Paga-me o que me deves”. O Rei indignado o castiga severamente…

E Jesus conclui dizendo: ”Assim vos tratará meu Pai celeste, se cada um não perdoar de coração ao seu irmão”. 

A parábola é um exame de consciência para nós; convida-nos a analisar as nossas atitudes para com os irmãos que erram.

Jesus nos ensina que o mal, os ressentimentos, o rancor, o desejo de vingança, devem ser vencidos por uma caridade ilimitada que se há de manifestar no perdão incansável das ofensas alheias.

Para perdoar de coração, com absoluto esquecimento da injúria recebida, é necessária por vezes uma grande fé, alimentada pela caridade.

Perdoar, portanto, porque Deus nos perdoou e para que Deus nos perdoe! Mas esta não é a única motivação. O próprio Jesus deu outra motivação mais íntima e desinteressada: a misericórdia, um sentimento feito de compreensão, de identificação com o irmão, de solidariedade e de humildade.

A misericórdia divina é ilimitada, inesgotável, insondável. Não depende nem do número nem da gravidade dos pecados cometidos, já que supera todos os pecados possíveis e imagináveis. Mas há que reconhecer: não é incondicional. Há uma condição que Jesus revelou: “se não perdoardes aos outros, tampouco vosso Pai perdoará vossos pecados”. E é mandamento: “Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso”. Em outras palavras, o perdão que recebemos de Deus está condicionado pelo perdão que nós damos aos outros.

Trata-se de uma condição tão rigorosa, tão indispensável, que Jesus a colocou expressamente no Pai Nosso. Quis que repetíssemos cada vez que rezamos, para que ninguém esqueça, para ninguém alegar ignorância. Deus perdoa todos os pecados que possamos cometer, menos a quem se negar a perdoar.

A negativa em perdoar produz efeitos perniciosos, não só no ofensor, que se vê privado desse dom, mas principalmente do ofendido. Enquanto não perdoo, a ofensa segue ali, não cessa, e continuo sendo sua vítima. Acaba criando uma atroz dependência: na medida em que são mantidos os sentimentos de rancor e de vingança, vivo para eles, para odiar; tornam-se meus donos.

São Paulo, seguindo o Mestre, exortava os Cristãos de Tessalônica:  “Tomai cuidado para que ninguém retribua o mal com o mal, mas persegui sempre o bem entre vós e para com todos” (1Ts 5,15). Ainda São Paulo, aplicou esta mensagem evangélica do perdão às situações concretas de sua vida, especialmente da vida doméstica: “Revesti-vos – escrevia – de entranhada misericórdia, de bondade, humildade, doçura, paciência. Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, sempre que tiverdes motivo de queixa contra alguém. Como o Senhor vos perdoou, assim perdoai vós também” (Col 3,12ss). É preciso insistir muito sobre a importância do perdão na vida de uma família. É indispensável expelir dos próprios pulmões o ar oxidado para manter o organismo sadio, assim como inspirar novo ar oxigenado. Perdoar-se é indispensável para manter vivo e sadio um matrimônio, tão importante como amar-se. O perdão, quando é sincero, renova, torna-se ele mesmo fator de crescimento do próprio amor. O fez notar o próprio Jesus na casa de Simão: Qual deles o amará mais? “ Simão respondeu: Aquele ao qual perdoou mais”. Jesus lhe disse: Julgaste corretamente” (Lc 7,42ss). E concluiu com uma frase que vale um tratado de psicologia: Aquele a quem se perdoa pouco, ama pouco.

Perdoar é, portanto, de verdade, um gesto cheio de nobreza, digno do homem e indispensável para viver juntos e em paz.

Viveríamos mal o nosso caminho de discípulos de Cristo se, ao menor atrito  – no lar, no escritório, no trânsito… – , a nossa caridade se esfriasse e nos sentíssemos ofendidos e desprezados. Às vezes –  em matérias mais graves, em que a desculpa se torna mais difícil –  faremos nossa a oração de Jesus: Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!” (Lc 23,34). Em outros casos, bastará um sorriso, retribuir o cumprimento, ter um pormenor amável para restabelecer a amizade ou a paz perdida. As ninharias diárias não podem ser motivo para perdemos a alegria, que deve ser profunda e habitual na nossa vida.

O Senhor, depois de responder a Pedro sobre a capacidade ilimitada de perdão que devemos ter, expôs a parábola dos dois devedores para nos mostrar o fundamento desta manifestação da caridade. Devemos perdoar sempre e tudo porque é muito – sem medida  –  o que Deus nos perdoou e nos perdoa. E diante dessa prova da misericórdia do Senhor, tudo o que devemos perdoar aos outros é simplesmente insignificante.

Ensina São Josemaria Escrivá: “Esforça- te, se é preciso, por perdoar sempre aos que te ofenderem, desde o primeiro instante, já que, por maior que seja o prejuízo ou a ofensa que te façam, mais te tem perdoado Deus a ti” (Caminho, nº 452).

O perdão é a expressão maior do amor. É aceitar e querer bem ao próximo assim como ele é; é agir como Deus; é agir a exemplo de Cristo. Perdoando, é para o Senhor que vivemos e para o Senhor que morremos (Rm 14, 7-9).

Sem perdão não existe vida fraterna, vida conjugal, vida familiar ou vida comunitária.

Deus nos perdoa, na mesma medida com que nós perdoamos… O amor é o distintivo do cristão. Quem se recusa a perdoar ao irmão, como poderá ter a coragem de pedir o perdão de Deus? Se o nosso coração estiver dominado pela lógica da vingança ou da mágoa, o perdão de Deus poderá encontrar aí lugar? Um coração duro, incapaz de compreender as falhas dos outros, estará disponível para acolher o amor de Deus? O critério mudou. Já não é: o que o outro te fez, faça a ele; mas: o que Deus te fez, faça ao outro.

A falta de perdão leva a muitos outros sofrimentos, doenças, provoca uma vida azeda e estressante. Só o perdão alivia e restitui a alegria… É a chamada “terapia do perdão”.

Peçamos que o Espírito Santo impregne e modele o nosso coração com a ternura, o perdão e o amor do Coração d’Aquele que nos pede perdoar como Ele nos perdoa.

Mons. José Maria Pereira

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