Cristianismo sem Cruz? Abraçar a Cruz
O chamamento à conversão constitui o tema central do terceiro domingo da Quaresma.
O Profeta Ezequiel diz: “Convertei-vos, senão vós morrereis” (Ez 33,11). Desse modo, uma
questão impõe-se: Que significa converter-se? Trata-se, antes de tudo, da conformidade das
ações com a vontade divina, à qual cumpre uma adesão total. É a obediência da fé.
O Papa Bento XVI assim se expressou: “converter-se significa não viver como todo mundo vive,
não fazer o que todo mundo faz, não se sentir justificado, fazendo ações duvidosas, ambíguas
ou más pelo fato de que outros assim procedem; começar a olhar a própria vida com os olhos
de Deus, portanto, procurar o bem, mesmo se isto contesta a sociedade. Não se submeter ao
julgamento dos homens, mas, sim, à avaliação de Deus, ou em outras palavras: procurar um
novo estilo de vida, uma vida nova”. Não se trata assim de um falso moralismo, mas de não se
perder de vista a essência da mensagem de Cristo, mantendo firmemente o dom da nova
amizade, o dom da comunhão com Jesus.
No Evangelho (Lc 13, 1-9), é forte o apelo à conversão: o texto fala de dois acontecimentos
trágicos daqueles dias: a matança de Pilatos… e a queda da torre de Siloé: 18 mortos.
Jesus não concorda que a desgraça é sinal do castigo de Deus, pelo contrário, é um apelo de
conversão aos sobreviventes: “Vós pensais que esses galileus eram mais pecadores do que
todos os outros galileus, por ter sofrido tal coisa? Eu vos digo que não. Mas se vós não vos
converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo” (Lc 13, 2-3). Palavras severas que nos
fazem compreender que, com Deus, não se pode brincar; e, no entanto, palavras que
procedem do amor de Deus que, por todos os meios, quer a salvação de todas as suas
criaturas.
Conversão não é apenas uma penitência externa, ou um simples arrependimento dos pecados;
é um convite à mudança de vida, de mentalidade, de atitudes, de forma que Deus e os seus
valores passem a estar em primeiro lugar. Significa abraçar a Cruz!
Já ensinava o Mestre: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua Cruz e
siga-me” (Mt 16,24). Não existe verdadeira conversão, nem autêntico seguimento do Senhor
sem a Cruz. As palavras de Jesus Cristo têm plena vigência em todos os tempos, uma vez que
foram dirigidas a todos os homens, pois quem não carrega a sua Cruz e me segue – diz – nos
Ele a cada um – não pode ser meu discípulo.
Carregar a Cruz – aceitar a dor e as contrariedades que Deus permite para nossa purificação,
cumprir com esforço os deveres próprios, assumir voluntariamente a mortificação cristã – é
condição indispensável para seguir o Mestre.
“Que seria de um Evangelho, de um cristianismo sem Cruz, sem dor, sem o sacrifício da dor?,
perguntava-se o Papa Paulo VI. Seria um Evangelho, um cristianismo sem Redenção, sem
salvação, da qual – devemos reconhecê-lo com plena sinceridade, temos necessidade
absoluta. O Senhor salvou-nos por meio da Cruz; com a sua morte, devolveu-nos a esperança,
o direito à vida…” Seria um cristianismo desvirtuado que não serviria para alcançar o Céu, pois
“o mundo não pode salvar-se senão por meio da Cruz de Cristo” (São Leão Magno).
São Paulo escrevia que a Cruz é escândalo para os judeus, loucura para os gentios. E mesmo os
cristãos, na medida em que perdem o sentido sobrenatural das suas vidas, não conseguem
entender que só possamos seguir o Senhor através de uma vida de sacrifício, junto da Cruz.
O Cristão que vive fugindo sistematicamente do sacrifício, que se revolta com a dor, afasta-se
também da santidade e da felicidade, que se encontra muito perto da Cruz, muito perto de
Cristo Redentor. “Se não te mortificas, nunca serás alma de oração” (Caminho, 172). E Santa
Teresa ensina: “Pensar que (o Senhor) admite na sua amizade gente regalada e sem trabalhos
é disparate”.
Na Quaresma, somos chamados a repensar a nossa vida, de tal forma que Deus e os seus
valores passem a ser a nossa prioridade. Cada um é como a figueira: pode ser que, durante
anos, não dê frutos, porém, Deus dá os meios para se converter. Ele sabe da nossa fragilidade,
conhece os nossos pecados. Não quer punir, quer fazer viver! Ele confia no homem, que pode
mudar. Mas, como na parábola, o Senhor ensina-nos que é urgente nossa conversão. Não
devemos nos acostumar ao mal, seja em nós ou no mundo. A consciência pode endurecer pelo
pecado e resistir à ação salvadora de Deus.
A conversão que o Senhor nos pede, insistentemente, deve ter como ponto de partida uma
recusa firme de todo o pecado e de todas as circunstâncias que nos ponham em perigo de
ofender a Deus. Ao menos, teoricamente; e, lutando na prática. Acima de tudo, não
esqueçamos: os pecados foram a causa da morte de Jesus. Todo pecado está íntima e
misteriosamente relacionado com a Paixão de Nosso Senhor. Só reconhecemos a malícia do
pecado, se o relacionamos com a morte do Senhor. Só assim poderemos purificar, de fato, a
alma e fazer crescer a dor por termos feito o que ofende a Deus.
Precisamos combater nossas más inclinações. Um esforço sempre renovado de amar mais a
Deus, de desterrar o egoísmo, de servir a todos nos quais se vê o próprio Cristo. Para o cristão,
o combate espiritual diante de Deus é uma necessidade. Lutar como se tudo dependesse de
nós, mas acudir a Deus com a confiança do que sabe que nos fortalece. E Nosso Senhor, com
nossa luta alegre, estará contente conosco. Confiança em Deus e esforço pessoal são duas
colunas para nosso combate diário, generoso, heroico.
Devemos perder o medo ao sacrifício, à mortificação voluntária, pois quem quer a Cruz, para
cada um de nós, é um Pai que nos ama e que sabe o que mais nos convém.
O Senhor quer sempre o melhor para nós: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e
carregados de fardos, e eu vos darei descanso” (Mt 11,28). Ao lado de Cristo, as tribulações e
penas não oprimem, não pesam, e, pelo contrário, levam a alma a orar, a ver a Deus nos
acontecimentos da vida.
Rezemos à Maria Santíssima, que nos acompanha, no itinerário quaresmal, para que ajude,
cada cristão, a voltar para o Senhor, com todo o coração. Ampare a nossa decisão firme de
renunciar ao mal e de aceitar, com fé, a Vontade de Deus, na nossa vida.
Rumo à Páscoa, o Senhor nos conceda a graça de uma verdadeira conversão!
Mons. José Maria Pereira