Homilia do D. Anselmo Chagas de Paiva – Solenidade da Epifania do Senhor

SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR 

Mt 2,1-12

 

Caros irmãos e irmãs! 

Neste domingo celebramos a solenidade da Epifania do Senhor e mais uma vez somos colocados diante da rica e abundante Palavra de Deus que nos ilumina para as nossas reflexões deste dia, onde celebramos a manifestação de um Deus que se revelou na história como luz do mundo, para guiar a humanidade em direção à terra prometida.

A primeira leitura, tirada do Livro do profeta Isaías (cf. Is 60,1-6), e o trecho do Evangelho de São Mateus (Mt 2,1-12), colocam lado a lado, a promessa e o seu cumprimento. Aparece diante de nós a visão do profeta que, depois das humilhações padecidas pelo povo de Israel, vê o momento em que a grande luz de Deus surgirá sobre toda a terra, de maneira que os reis das nações se inclinarão diante dele e depositarão aos seus pés os seus tesouros mais preciosos.

O texto do Evangelho nos coloca diante da cena dos magos que vêm do Oriente para adorar o Senhor.  Os magos eram astrônomos que viram na imagem da estrela uma mensagem de esperança e, guiados por ela, são conduzidos até a Judéia.  São também identificados como homens sábios, que se colocam a caminho para encontrar o verdadeiro Deus.  

Como os magos estavam à procura do recém-nascido, rei dos judeus, parece então normal que fossem à cidade régia de Israel e entrassem no palácio do rei.  Certamente eles presumiram que deveria ter nascido lá o futuro rei. Mas, para encontrar definitivamente a estrada que os levaria ao verdadeiro herdeiro do rei Davi, precisam, antes, da indicação das Sagradas Escrituras, ou seja, da Palavra de Deus.

Os magos questionam sobre o local onde deveria nascer o menino.  Mas observemos a reação à pergunta dos magos: “O rei Herodes ficou alarmado e com ele toda Jerusalém” (Mt 2,3).  Esta perturbação de Herodes perante a notícia do nascimento de um misterioso pretendente ao trono era certamente bem compreensível.  Herodes é um homem do poder, que consegue ver no outro apenas o rival. E, no fundo, considera Deus também como um rival, antes, como o rival mais perigoso. O rei Herodes mostra interesse pelo Menino, não para o adorar, mas para o eliminar.

É interessante notar que em Jerusalém a estrela tinha desaparecido por completo.  Depois do encontro dos magos com a Palavra da Escritura, a estrela resplandece de novo para eles.  E o texto bíblico nos diz, referindo-se à reação dos magos: “Revendo a estrela, alegraram-se” (Mt 2,10).   É a alegria do homem, que foi atingido no coração pela luz de Deus e pode ver realizada a sua esperança. 

No mundo antigo, os corpos celestes eram considerados como forças divinas que decidiam o destino dos homens e dominavam o mundo.  Os planetas têm nomes de divindades. Nesta linha de pensamento, se situa a narrativa da estrela que aparece no evangelho a guiar os magos.  Não é a estrela que determina o destino do Menino, mas o Menino que guia a estrela (cf. BENTO XVI, A infância de Jesus, São Paulo, 2012, p. 79ss).

E o texto do Evangelho ainda diz: “Ao entrar na casa, viram o menino com Maria, sua mãe, e prostrando-se, adoraram-no” (Mt 2,11).  Na presença do Menino Jesus, os magos fazem uma prostração; ou seja, é a homenagem que se presta a um Rei e Deus. A partir disso, pode-se explicar o significado das oferendas que realizam.  Não são presentes práticos, que pudessem talvez revelar-se úteis naquele momento para a Sagrada Família; mas são dons que exprimem o reconhecimento da dignidade real daquele a quem são oferecidos.  Ouro e incenso aparecem mencionados no livro do profeta Isaías (cf. Is 60,6), como presentes de homenagem, que devem ser oferecidos pelos povos ao Deus de Israel.

Nos três presentes, a tradição da Igreja viu representados três aspectos do mistério de Cristo: O ouro indica a realeza de Jesus; o incenso, a sua divindade, e a mirra, o mistério da sua Paixão.  Como de fato, o Evangelista São João nos narra que, para ungir o corpo de Jesus, Nicodemos fez uso da mirra (cf. Jo 19,39). A mirra afasta os vermes dos cadáveres e preserva os corpos da corrupção.  Assim, através da mirra, o mistério da Cruz está de novo ligado à realeza de Jesus e preanuncia-se de maneira misteriosa a sua morte já na adoração dos magos.

Mas, com efeito, segundo a mentalidade em vigor nessa época no Oriente, esta oferenda de presentes ao Menino Jesus recém-nascido, indica o reconhecimento da sua divindade. Ou seja, a partir daquele momento os doadores pertencem ao soberano e reconhecem também a sua autoridade. A consequência a que isto dá origem é imediata. Os magos regressam apressados às suas terras, mas já não podem continuar pelo mesmo caminho, já não podem regressar para junto de Herodes, já não podem ser aliados com aquele soberano poderoso e cruel. Foram conduzidos por um outro caminho; em  uma outra direção. 

O texto nos diz: “Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, seguindo outro caminho” (Mt 2,12). Teria sido natural voltar a Jerusalém, ao palácio de Herodes e ao Templo, para proclamar a descoberta. No entanto, os Magos, que escolheram o Menino como soberano o protegeram da fúria de Herodes e foram transformados após o encontro com a Verdade, descobriram um novo rosto de Deus, uma nova realeza, um novo caminho: o caminho da fé.

Santo Agostinho, fazendo uma referência a este texto, completa: “Também nós, reconhecendo Cristo, nosso rei… O honramos como se tivéssemos oferecido ouro, incenso e mirra; só nos falta dar testemunho dele, percorrendo um caminho diferente daquele pelo qual viemos” (S. AGOSTINHO, Sermo 202, In Epiphania Domini 3,4). 

Muitos viram a estrela, mas só poucos compreenderam a sua mensagem. Os estudiosos da Escritura do tempo de Jesus conheciam perfeitamente a palavra de Deus. Eram capazes de dizer sem qualquer dificuldade o que se podia encontrar nela a respeito do lugar onde o Messias teria nascido, mas, como Santo Agostinho diz: “…enquanto davam indicações aos romeiros a caminho, eles permaneciam inertes e imóveis” (S. AGOSTINHO, Sermo 199, In Epiphania Domini 1,2). 

Estes estudiosos da Palavra de Deus não se deslocaram, não caminharam em direção a Jesus.  Eles não conseguiram ver a estrela, não alcançaram a luz do mundo; enquanto os magos deixam-se guiar pela luz do menino e reconhecem nele o Deus verdadeiro de Deus verdadeiro.  Com isso, podemos afirmar que Cristo vem como luz a iluminar os povos, mas muitos ainda vivem nas trevas e não conseguem ver a luz que é o próprio Cristo. Tenhamos consciência de que o Menino é a luz a nos iluminar.  E é esta luz que devemos seguir e por esta luz devemos nos deixar iluminar.

Peçamos ao Senhor que Ele nos faça seguir o mesmo itinerário percorrido pelos magos e nos coloquemos a caminho.  Que a luz da estrela de Belém nos conduza ao Encontro do Menino Deus e após este encontro, possamos também nós seguir por um outro caminho: o caminho da conversão, o caminho da santidade, o caminho de uma vida nova.  E com os magos, ajoelhemo-nos diante daquele que nasceu para nós e está nos braços da sempre Virgem Maria Mãe de Deus. Possamos também oferecer-lhe os nossos dons: não mais ouro, incenso e a mirra, mas a nossa decisão de segui-lo até o fim, fazendo sempre a sua vontade. Assim seja. 

 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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