Homilia de Mons. José Maria Pereira – III Domingo de Páscoa – Ano A

 Encontro Transformador com o Ressuscitado!

O Texto do Evangelho (Lc 24, 13 – 35) refere-se à célebre narração dos discípulos de Emaús. Conta que dois seguidores de Cristo os quais, no dia depois do sábado, isto é, o terceiro após a sua morte, tristes e abatidos deixaram Jerusalém e dirigiam-se para uma aldeia pouco distante chamada Emaús. Ao longo do caminho, aproximou-se deles Cristo Ressuscitado, mas eles não O reconheceram. Vendo-os aflitos, Jesus explicou, com base nas Escrituras, que o Messias tinha que sofrer e morrer para alcançar a sua Glória. Depois, entrou com eles em casa, sentou-se à mesa, abençoou o pão e partiu-o, e nesse momento reconheceram-no, mas ele desapareceu, deixando-os cheios de admiração diante daquele Pão partido, novo sinal da sua Presença. Imediatamente os dois voltaram para Jerusalém e contaram o que tinha acontecido aos outros discípulos.

Ao longo da conversa com Jesus os discípulos passam da tristeza à alegria, recuperam a esperança e com isso o afã de comunicar a alegria que há nos seus corações, tornando-se deste modo anunciadores e testemunhas de Cristo Ressuscitado. Este episódio mostra as consequências que Jesus Ressuscitado realiza nos dois discípulos: conversão do desespero em esperança; conversão da tristeza em alegria; e também conversão à vida comunitária. Às vezes, quando se fala de conversão, pensa-se unicamente no seu aspecto cansativo, de desapego e renúncia. Ao contrário, a conversão cristã é também e sobretudo fonte de alegria, de esperança e de amor. Ela é sempre obra de Cristo Ressuscitado, Senhor da vida, que nos obteve esta graça por meio da sua Paixão e no-la comunica em virtude da sua Ressurreição.

Jesus caminha junto daqueles dois homens que perderam quase toda a esperança, de modo que a vida começa a parecer-lhes sem sentido. Compreende a sua dor, penetra nos seus corações, comunica-lhes algo da vida que nele habita. “Quando, ao chegar àquela aldeia, Jesus faz menção de seguir o caminho; porém os discípulos insistiram com Jesus para que Ele ficasse com eles. Reconhecem-no depois ao partir o pão: O Senhor, exclamam, esteve conosco! Então disseram um para o outro: “Não estava ardendo o nosso coração quando Ele nos falava e nos explicava as Escrituras? (Lc 24,32). Cada cristão deve tornar Cristo presente entre os homens; deve viver de tal maneira que todos com quem tem contato sintam o bom odor de Cristo (2 Cor 24,32); o bom odor de Cristo deve atuar de forma que, através das ações do discípulo, se possa descobrir o rosto do Mestre” (Cristo que passa, nº 105).

A conversa dos dois discípulos com Jesus a caminho de Emaús, resume perfeitamente a desilusão dos que tinham seguido o Senhor, diante do aparente fracasso que representava para eles a Sua morte.

A localidade de Emaús não foi identificada com certeza. Existem várias hipóteses, e isto é sugestivo, porque nos deixa pensar que Emaús representa, na realidade, todos os lugares: a estrada que nos conduz é o caminho de todos os cristãos, aliás, de todos os homens. Nas nossas estradas, Jesus Ressuscitado faz-se companheiro de viagem, para reavivar, nos nossos corações, o calor da fé e da esperança e partir o Pão da Vida Eterna. No diálogo dos discípulos com o peregrino desconhecido impressiona a expressão que o evangelista Lucas coloca nos lábios de um deles: “Nós esperávamos…” (Lc 24, 21). Este verbo, no passado, diz tudo: Acreditamos, seguimos, esperamos… mas acabou. Também Jesus de Nazaré, que se mostrou um profeta poderoso em obras e em palavras, falhou, e nós ficamos desiludidos. Este drama dos discípulos de Emaús surge como um espelho da situação de muitos cristãos de nosso tempo: parece que a esperança da fé tenha falhado. A própria fé entra em crise, por causa de experiências negativas que nos fazem sentir abandonados pelo Senhor. Contudo, esta estrada para Emaús, na qual caminhamos, pode tornar-se uma via de purificação e maturação do nosso crer em Deus. Também hoje podemos entrar em diálogo com Jesus, escutando a sua Palavra. Também hoje Ele parte o Pão por nós e doa-se a Si mesmo como nosso Pão. Dessa maneira, o encontro com Cristo Ressuscitado, que é possível também hoje, doa-nos uma fé mais profunda e autêntica, harmonizada, por assim dizer, através do fogo do Evento pascal; uma fé robusta porque se alimenta não com ideias humanas, mas com a Palavra de Deus e a sua Presença Real na Eucaristia. É preciso sentar-se à mesa com o Senhor, tornar-se seus comensais, para que a sua Presença humilde no Sacramento do Seu Corpo e do Seu Sangue nos restitua o olhar da fé, para vermos tudo e todos com os olhos de Deus, na luz do seu Amor. Estar com Jesus que permaneceu conosco, assimilar o seu estilo de vida doada, escolher com Ele a lógica da comunhão entre nós, da solidariedade e da partilha. A Eucaristia é a máxima expressão da doação que Jesus faz de Si mesmo e é um convite constante a viver a nossa existência na lógica eucarística, como um dom a Deus e ao próximo.

Jesus, em resposta ao desalento dos discípulos, vai pacientemente descobrindo-lhes o sentido de toda a Sagrada Escritura acerca do Messias: “Não era preciso que o Cristo padecesse estas coisas e assim entrasse na Sua glória?” Com estas palavras o Senhor desfaz a ideia que ainda poderiam ter de um Messias terreno e político, fazendo-lhes ver que a missão de Cristo é sobrenatural: a salvação do gênero humano.

Na Sagrada Escritura estava anunciado que o plano salvador de Deus se realizaria por meio da Paixão e Morte redentora do Messias. A Cruz não é um fracasso, mas o caminho querido por Deus para o triunfo definitivo de Cristo sobre o pecado e sobre a morte (1 cor 1, 23-24).

A presença e a palavra do Mestre recuperam estes discípulos desanimados, e acendem neles uma esperança nova e definitiva: “Iam os dois discípulos para Emaús. O seu caminho era normal, como o de tantas outras pessoas que passavam por aquelas estradas. E aí, com naturalidade, aparece-lhes Jesus e vai com eles, com uma conversa que diminui a fadiga.

Termina o trajeto ao chegar à aldeia e aqueles dois que, sem o saberem, tinham sido feridos no fundo do coração pela Palavra e pelo Amor de Deus feito homem, têm pena de que Ele se vá embora. Porque Jesus despede-se como quem vai para mais longe (Lc 24,28). Nosso Senhor nunca se impõe! Quer que O chamemos livremente, desde que entrevimos a pureza do Amor que nos colocou na alma. Temos de O deter à força e pedir-lhe: fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando (Lc 24,29).

Somos assim: sempre pouco atrevidos, talvez por falta de sinceridade, talvez por pudor. No fundo pensamos: fica conosco, porque as trevas nos rodeiam a alma e só Tu és luz, só Tu podes acalmar esta ânsia que nos consome! Porque entre as coisas belas, honestas, não ignoramos qual é a primeira: possuir sempre Deus” (São Gregório Nazianzeno).

Depois da escuta da Palavra e o partir o Pão, os discípulos de Emaús sentem agora a urgência de voltar a Jerusalém! Partem logo para anunciar a descoberta aos irmãos e, junto com eles, proclamam a fé: “ O Senhor ressuscitou!” É o impulso à Missão. Os dois discípulos sentem a necessidade de regressar a Jerusalém e contar a extraordinária experiência que viveram: o encontro com o Senhor Ressuscitado. Há um grande esforço que deve ser realizado para que cada cristão se transforme em testemunha, pronta a anunciar com vigor e com alegria o acontecimento da Morte e da Ressurreição de Cristo.

Os discípulos dizem: “enquanto Ele nos falava, ardia o nosso coração!”

A verdade é que, sem a Eucaristia, sem a Palavra, os outros nos cansam, nos assustam. Com a Palavra e com o partir o Pão, reconhecemos que Cristo está no próximo. Reconhecemos que Cristo está do nosso lado e a presença dele é capaz de nos reanimar.

Quando Jesus Cristo saiu, os discípulos levantaram-se e foram correndo contar a boa nova para os outros discípulos!  São João Paulo II disse: “Os discípulos de Emaús, repletos de esperança e de alegria por terem reconhecido o Senhor “na fração do pão”, regressaram a Jerusalém sem hesitações para narrar aos irmãos aquilo que acontecera ao longo do caminho”. Todos nós somos convidados a dar testemunho da Ressurreição de Cristo pela Eucaristia que comungamos. Essa é a missão e o compromisso que temos por ser Igreja e tomarmos parte da mesa do Senhor. Missa, que significa missão, é o envio do batizado, pela Igreja, a proclamar que Cristo vive e reina.

Este maravilhoso texto evangélico já contém a estrutura da Santa Missa: na primeira parte, a escuta da Palavra através das Sagradas Escrituras; na segunda, a Liturgia Eucarística e a comunhão com Cristo presente no Sacramento do seu Corpo e do seu Sangue. Ao alentar-se nesta dúplice mesa, a Igreja edifica-se incessantemente e renova-se, dia após dia na fé, na esperança e na caridade.

Aceitemos o convite do Apóstolo São Pedro: “Vivei respeitando a Deus durante o tempo em que viveis na Terra como estrangeiros” (1Pd 1, 17); convite que se concretiza numa vida vivida intensamente nos caminhos do nosso mundo, conscientes da meta que devemos alcançar: a unidade com Deus, em Cristo crucificado e ressuscitado. De fato, a nossa fé e a nossa esperança estão colocadas em Deus (1Pd 1, 21): dirigidas para Deus porque radicadas n’Ele, fundadas no seu amor e na sua fidelidade.

Por intercessão de Maria Santíssima, rezemos a fim de que todos os cristãos e comunidades, ao reviver a experiência dos discípulos de Emaús, redescubram a graça do encontro transformador com o Senhor Ressuscitado. Pois, o Senhor Ressuscitado caminha conosco, ontem, hoje e sempre. 

Mons. José Maria Pereira

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