Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – V Domingo da Quaresma (Ano A)

A ressureição de Lázaro

Jo 11, 1-45

Caros irmãos e irmãs

Estamos nos aproximando da Semana Santa e os temas quaresmais cada vez mais nos preparam para viver o mistério pascal de Cristo, que muito em breve celebraremos.  O primeiro milagre realizado por Jesus, como nos narra o Evangelho de São João, foi a mudança da água em vinho, nas bodas de Caná da Galiléia (cf. Jo 2,1-11).  O último milagre, já a caminho da Paixão, foi a ressurreição de Lázaro, texto que a Igreja nos apresenta para este domingo. O fato ocorre em Betânia, uma aldeia que fica nas proximidades de Jerusalém. É neste local que Jesus confirma o seu poder de dar a vida, ressuscitando Lázaro.

O texto do evangelho começa dizendo que Lázaro estava doente e suas irmãs, Marta e Maria, mostrando preocupação e solidariedade, mandam avisar a Jesus. Os mensageiros usam uma linguagem delicada, que revela o afeto entre Jesus e Lázaro: “Senhor, aquele que amas está doente!” (v. 3).  Ouvindo isto, Jesus disse: “Esta doença não leva à morte; ela serve para a glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por ela” (v. 4). Jesus era amigo de Marta, de sua irmã Maria e de Lázaro, que parecem ser os únicos membros dessa família. O evangelista São João insiste no grau de parentesco que une os três: são irmãos.

Podemos observar no texto os sinais da solidariedade diante da morte, manifestada pela ação dos amigos e vizinhos, que vão à casa das irmãs para apresentar os sentimentos e fazer lamentações, símbolo do desespero e da angústia pela perda de um membro da família. Temos também a solidariedade de Jesus, que expressa afeto sincero para com o amigo falecido e uma comoção profunda revelada pelas suas lágrimas, sinal de identificação com a dor de Marta, de Maria e dos amigos de Lázaro, como nos relata o texto bíblico: “Quando Jesus a viu chorar, e também os que estavam com ela, estremeceu interiormente, ficou profundamente comovido, e perguntou: ‘Onde o colocastes?’ Responderam: ‘Vem ver, Senhor’. E Jesus chorou” (Jo 11,33-35).

Este vínculo de amizade de Jesus com Lázaro e suas irmãs é reiteradamente recordado em toda a narrativa. O próprio Jesus afirma: “O nosso amigo Lázaro dorme. Mas eu vou acordá-lo” (Jo 11,11).  O sepultamento já havia ocorrido há quatro dias. Na mentalidade judaica, a morte era considerada definitiva a partir do terceiro dia. Quando Jesus chega, a morte de Lázaro está, portanto, consumada. Marta manifesta sua falta de esperança ao dizer que teria sido necessária a presença física de Jesus para evitar a morte de Lázaro: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido” (v. 21).  Em conformidade com a crença daquele tempo, Marta acreditava que seu irmão iria ressuscitar no último dia: “Eu sei que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia” (v. 24).

Por outro lado, esse diálogo revela também o convite que Jesus faz a Marta para que ela possa crescer na fé. Ela precisa deixar suas crenças anteriores sobre a ressurreição para aderir à novidade que Jesus lhe apresenta: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá.  E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês isto?” (v.25s). Jesus se apresenta de uma maneira nova para Marta. Não é preciso esperar até o fim dos tempos para ressuscitar, Jesus é a Ressurreição! E todo aquele que nele crer também ressuscita.  O novo passo na fé de Marta é aderir a Jesus. E ela o faz: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus, que devia vir ao mundo” (v. 27). A certeza de sua fé foi tão forte, que logo buscou a sua irmã, para que ela também conhecesse a novidade que Jesus trazia.

E Jesus se dirige em seguida ao local onde está Lázaro sepultado e suas irmãs vão com ele, seguidos pelo povo que ali estava. Mas Jesus ainda precisa insistir, pois Marta reluta na hora de retirar a pedra do túmulo: “Senhor, já cheira mal. Está morto há quatro dias” (v. 39).  Ao que Ele responde: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?” (v. 40).  Em seguida, em oração, Jesus se dirige a Deus Pai. 

O momento da oração explícita de Jesus ao Pai diante do túmulo constitui a conclusão natural de toda a vicissitude: “Pai, eu te dou graças, porque me ouviste!” (Jo 11,41). Esta frase mostra um vínculo contínuo de comunhão entre Jesus com Deus Pai.  Jesus pronuncia a oração, enquanto retiram a pedra da entrada do túmulo de Lázaro. E a sua oração se desenvolve: “Eu sei que sempre me escutas. Mas digo isto por causa do povo que me rodeia, para que creia que tu me enviaste” (Jo 11,42). 

Mediante esta prece, Jesus quer conduzir os seus discípulos à fé e mostrar a todos que Deus amou de tal modo o homem que enviou o seu único Filho para dar a vida a todos (cf. Jo 3,16).  A oração de Jesus constitui um testemunho vivo da presença de Deus no mundo através do Cristo Senhor, que se manifesta pela sua solidariedade a todos os que sofrem e ao mesmo tempo, se identifica com a Ressurreição e a Vida. Ele mesmo disse: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais” (vv. 25-26). É Deus quem dá a vida, e a oferece a aqueles que acreditam em seu Filho, Jesus Cristo.  E logo depois, diante do túmulo, Jesus grita com voz forte: “Lázaro, vem para fora!” (v. 43). O morto saiu, atado de mãos e pés, com os lençóis mortuários e o rosto coberto com um pano (cf. v. 44).  

Uma lição que o evangelho deste domingo nos deixa é que Jesus não elimina a morte física, mas mostra o seu domínio sobre ela. Para quem é amigo de Jesus, a morte física não é mais do que um sono, do qual se acorda para descobrir a vida definitiva.  Usando uma linguagem humana, Jesus compara a morte ao sono (v. 11) e afirma que veio ao mundo para despertar a criatura humana desse sono.  Lázaro, então, se torna o símbolo dos que morrem na amizade de Deus, sempre que o elo dessa amizade seja Jesus, porque só Ele, nos faz passar da morte à vida. Os amigos de Jesus experimentam a morte física como uma passagem para a vida eterna, junto de Deus.  O relato da ressurreição de Lázaro pretende também trazer essa realidade.

Peçamos ao Senhor que ele tire a imensa pedra que pode estar sendo uma barreira a nos impedir de crescer na fé e de ter acesso à felicidade mais estável e a uma paz duradoura: a pedra do rangor, do ódio, da inveja; as pedras das nossas culpas, que carregamos em nós mesmos, em nossa carne. E que Ele possa dizer também a cada um de nós: “Vem para fora” (v. 43), para que possamos ter vida em abundância (cf. Jo 10,10). Ele nos ordena a sair do túmulo, a sair da escuridão, do lugar que os nossos pecados nos fizeram cair. Mas é ainda próprio Jesus que nos convida a uma vida nova. A nossa ressurreição começa quando decidimos obedecer este chamado do Senhor que nos exorta a sair das trevas, para encontrarmos a Luz, que é o próprio Cristo Senhor. E a Quaresma é este tempo favorável para a conversão, para sairmos da morte para a vida, ressurgir dos nossos pecados e dos nossos erros, para estarmos com Deus. 

Dando continuidade ao nosso percurso quaresmal, possamos também crescer na fé e repetir como Marta: “Sim, ó Senhor; eu creio que Tu és Cristo, o Filho de Deus” (Jo 11,27). Que saibamos reconhecer esta verdade, fortalecidos na esperança, revigorada a cada dia, especialmente nos momentos mais difíceis e de maior provação. Assim seja.

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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