Homilia do Mons. José Maria Pereira – XXXII Domingo do Tempo Comum – Ano A

A Vida é Uma Espera! Manter a Lâmpada Acesa!

O Evangelho (Mt 25, 1 – 13) narra a parábola das dez virgens que vão ao encontro do esposo que chega à meia noite, num momento inesperado, bem como na disposição em que se encontram os que participarão com ele do banquete de bodas. O esposo é Cristo, que chega a uma hora desconhecida; as virgens representam os homens que compõem a humanidade: uns permanecem vigilantes, dedicados em cheio às boas obras; outros desleixam-se e não têm azeite nas suas lâmpadas. O período anterior é a vida; o posterior – a chegada do esposo e a festa de bodas –, a bem-aventurança eterna partilhada com Cristo.

Essa parábola centraliza-se, pois, no instante em que Deus vem ao encontro da alma: o momento da morte. Depois do Juízo, uns entrarão na bem-aventurança eterna e outros ficarão impedidos de o fazer por uma porta fechada para sempre, o que denota uma situação definitiva, como também Jesus tinha mencionado em outras ocasiões. A morte fixa a alma para sempre nas suas boas ou más disposições.

As dez virgens tinham recebido uma missão de confiança: esperar o esposo, que podia chegar de um momento para o outro. Cinco delas concentraram-se no mais importante – a espera –, e empregaram os meios necessários para não falhar: as lâmpadas acesas com o azeite necessário. As outras cinco estiveram talvez absorvidas em muitas outras coisas, mas esqueceram-se do principal ou deixaram-no num segundo plano. Para nós, a primeira coisa na vida, o que verdadeiramente nos deve importar, é podermos entrar no banquete que o próprio Deus nos preparou. Todas as outras coisas são relativas e secundárias: o êxito, a fama, o conforto material, a saúde… Tudo isso será bom se nos ajudar a manter a lâmpada acesa com uma boa provisão de azeite, isto é, de boas obras.

Não devemos esquecer-nos do essencial, daquilo que se refere ao Senhor, para nos preocuparmos com o secundário, com o que tem menos importância e até, por vezes, nenhuma. Como dizia São Josemaría Escrivá, “há esquecimentos que não são falta de memória, mas de amor”; significam descuido e tibieza, apego às coisas temporais e terrenas, e desprezo, talvez não explicitamente formulado, das coisas de Deus. “Quando chegarmos à presença de Deus, perguntar-nos-ão duas coisas: se estávamos na Igreja e se trabalhávamos na Igreja. Tudo o mais não tem valor. Se fomos ricos ou pobres, se recebemos instrução ou não, se fomos felizes ou desgraçados, se estivemos doentes ou sãos, se tivemos bom nome ou mau” (Cardeal J. H. Newman , Santo).

O que é a vida à luz desta parábola evangélica? É uma espera ativa. Todo o ambiente criado por Jesus pela parábola é de expectativa, está dominado por este sentimento de espera. Tudo respira um ar de suspense. Sabe – se que o esposo virá (buscar a esposa da sua casa) e cada coisa se ilumina com este pensamento: os ouvidos estão grudados na porta e os olhos na janela; todas as conversas falam “dele” e se espera de um momento ao outro que se levante o grito: “Eis o noivo, está chegando. Ide ao seu encontro!”.

Assim é a vida cristã nesta terra à luz da fé: uma espera. O cristão é aquele que – certo de que um dia vai realizar – se um evento decisivo para ele – se esmera para organizar cada ato de sua vida em vista desta espera. Não se trata, porém, de uma espera inerte, uma espera para que o tempo passe, e basta, como fez o servo que enterrou o talento recebido e esperou que o dono chegasse. Para as virgens da parábola, a espera é preenchida com duas preocupações: manter a lâmpada acesa e ir ao encontro do esposo. Transposto em nossa vida, isto significa viver na “vigilância” e na “fidelidade”.

Jesus, ao falar, é seguido por esses traços característicos do verdadeiro discípulo. Compara o cristão ao “servo fiel” a quem o patrão confiou a guarda de sua casa, que não adormece, não se apodera do que está na despensa, não é prepotente com os outros servos; fica, porém, desperto e pronto, para abrir a porta a seu patrão assim que volte das núpcias (Lc 12, 35ss).

Mas o que significa ser fiel? São Paulo o explica aos primeiros cristãos: Não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo colheremos, se não relaxarmos. Por isso, enquanto temos tempo, façamos o bem a todos os homens, mas particularmente aos irmãos na fé (Gl 6, 9 – 10). Ser fiéis a Deus significa, portanto, ser perseverantes, não abandonar a luta, mesmo quando a espera se prolonga e o compromisso se torna mais duro.

Fidelidade e vigilância: o que torna tudo isso muito urgente é que não se sabe a hora: Vigiai, pois, porque não sabeis nem o dia nem a hora (Mt 25, 13). Não sabiam a hora aquelas virgens e não a sabe nenhum de nós.

Mas o que significa, a este ponto, este vigiar tão insistente do Evangelho? Ficar pensando na morte, dia e noite, paralisados com este pensamento? Pelo contrário. Significa pensar na vida e como enchê – la de conteúdo; significa agir em cada momento conforme a vontade de Deus, mas agir!

Examinemos na presença do Senhor o que é realmente o principal na nossa vida. Procuramos o Senhor em tudo o que fazemos, ou procuramo – nos a nós mesmos?  Se Cristo viesse hoje ao nosso encontro, achar – nos – ia vigilantes, esperando – O com as mãos cheias de boas obras?

“Há esquecimentos que não são falta de memória, mas de amor”. Quem ama não se esquece da pessoa amada. Quando o Senhor ocupa o primeiro lugar, não nos esquecemos dEle.  Permanecemos em atitude vigilante, acordados, como Jesus nos pede no final da parábola: Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora.

Meditemos hoje sobre o estado da nossa alma e sobre o sentido que estamos dando aos nossos dias, ao trabalho…. e repitamos – retificando o que não estiver de acordo com o querer de Deus – a oração do Salmo 62: Ó Deus, Tu és o meu Deus, desde a aurora Te procuro. A minha alma tem sede de Ti, deseja – Te a minha carne, como terra seca, sem água.

Cada dia da nossa vida é como uma página em branco que o Senhor nos concede para podermos escrever algo belo que perdure na eternidade: “Às vezes, percorro rapidamente todas as páginas escritas e faço voar também as páginas em branco, aquelas que ainda não escrevi nada, porque ainda não chegou o momento. E sempre, misteriosamente, ficam-me algumas delas presas entre os dedos das mãos, algumas que não sei se chegarei a escrever, porque não sei quando o Senhor me porá pela última vez o livro diante dos olhos”.

Sei bem, Senhor, que nada do que faço tem sentido se não me aproxima de Ti.

Mons. José Maria Pereira

Facebook
Twitter
LinkedIn

Biblioteca Presbíteros