Homilia do D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – Nascimento de São João Batista – Ano B

NATIVIDADE DE SÃO JOÃO BATISTA

Lc 1,57-66.80

 

Meus caros irmãos e irmãs

 

Para este domingo a liturgia nos convida a celebrar a solenidade do Nascimento de São João Batista, a voz enviada por Deus para anunciar e preparar o caminho do Cristo Senhor. Os quatro Evangelhos dão muita importância à figura de João Batista, como profeta que conclui o Antigo Testamento e inaugura o Novo, indicando em Jesus de Nazaré o Messias, o consagrado do Senhor. A celebração da Natividade de São João Batista é, com a do nascimento de Jesus e de Maria, a única festa litúrgica que a Igreja dedica ao nascimento de um santo. E mesmo antes de nascer, ao perceber a presença de Jesus “estremece de alegria” (Lc 1,44) no ventre materno, por ocasião da visita de Maria à prima Isabel. A ele, Jesus fez um grande elogio: “Em verdade vos digo que, entre os nascidos de mulher, não surgiu nenhum maior que João, o Batista” (Mt 11,11).

 

A Sagrada Escritura descreve a personalidade e a missão de São João Batista como o Precursor de Cristo (cf. Mc 1,2-8). Começando pelo aspecto externo, é apresentado como uma figura ascética: vestido de pele de camelo, alimenta-se de gafanhotos e mel selvagem que encontra no deserto da Judéia (cf. Mc 1,6).  João Batista foi o precursor, a “voz” enviada para anunciar a chegada do Cristo, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (cf. Jo 1,29).  E João preparou a chegada de Jesus pregando a todo o povo de Israel um batismo de arrependimento (cf. At 13,23-24).

 

No que diz respeito à missão de João, foi ela um apelo extraordinário à conversão: o seu batismo está ligado a um convite fervoroso para uma nova forma de pensar e de agir. O apelo de João vai além: exorta a uma mudança interior, a partir do reconhecimento e da confissão do próprio pecado.  São Lucas nos mostra que há uma continuidade entre a pregação de João Batista e o agir de Jesus de Nazaré: “Eu batizo vocês com água. Mas vai chegar alguém mais forte do que eu. E eu não sou digno nem sequer de desamarrar a correia das sandálias dele. Ele é quem batizará vocês com o Espírito Santo e com fogo” (Lc 3,16).

 

O evangelho desta solenidade é bem apropriado, pois trata justamente do nascimento e imposição do nome de João. Todo o relato do nascimento e circuncisão do precursor de Jesus está carregado de alegria, otimismo e esperança.  No Antigo Testamento, o nome é conferido no momento do nascimento (cf. Gn 4,1; 21,3; 25,25-26), mas, o relato parece aplicar o costume helenista, assumido pelo judaísmo mais recente, onde o nome é dado por ocasião da circuncisão da criança que, segundo as prescrições das leis, deveria ocorrer no oitavo dia depois do nascimento (cf. Gn 17,12 e Lv 12,3).

 

Os vizinhos e parentes dão como certo que o menino terá o mesmo nome do pai. No entanto, Isabel e Zacarias escolhem o nome João, conforme disse o anjo, quando do anúncio do seu nascimento (cf. Lc 1,13).  No momento em que João Batista se torna membro desse povo, não pode mais se chamar Zacarias.  Ele não dá simplesmente continuidade à estirpe de seu pai, mas assinala o início da nova época.  Terminou o tempo em que se recordam as promessas, chegou o tempo de ver em ação a realização das promessas, como sinal da bondade de Deus.  João Batista fora destinado para servir de limite entre o tempo da Lei e o tempo da graça.  Até o seu nascimento era o tempo das profecias, de todos os profetas e da Lei (cf. Mt 11,13), e foi ele o primeiro a revelar a presença daquele cuja vinda a Lei e os profetas anunciaram.

 

A circuncisão é o sinal da pertença ao povo da aliança.  Com esse rito, o circuncidado passa a fazer parte de Israel e se torna herdeiro das promessas feitas por Deus a Abraão e à sua descendência.  É nesse ponto que adquire importância o nome que recebe, porque, entre os povos da antiguidade, o nome indicava a pessoa, a sua condição, as suas qualidades, o seu destino.

 

O nome João tem origem no hebraico “Iohanan”, composto pela união dos elementos “Yah”, que significa “Javé, Deus”, e “Hannah”, que quer dizer “graça”. Assim, o nome João significa literalmente “o Senhor concede graça”, ou seja, o menino é um “dom de Deus” e o primeiro sinal da graça que Deus vai derramar sobre os homens, através do Messias que está para chegar.  João é um “dom de Deus”, um sinal da presença de Deus no meio do seu Povo.

 

Zacarias , o pai de João Batista, era sacerdote do culto judaico. O Arcanjo Gabriel apareceu a ele e disse: “Não tenhas medo, Zacarias, porque Deus ouviu tua súplica. Tua esposa, Isabel, vai ter um filho, e tu lhe darás o nome de João” (Lc 1,13). Porém, por não ter acreditado na mensagem de Gabriel, Zacarias perdeu a voz.

 

Com o nascimento de seu filho, seus parentes quiseram então dar-lhe o nome do pai e Zacarias, sem poder falar, escreveu em uma tábua: “Seu nome é João”, tendo sua voz devolvida (Lc 1,64).  Neste momento, inspirado pelo Espírito Santo, Zacarias falou sobre a missão do filho: “E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque irás adiante do Senhor a preparar os seus caminhos. Para dar a conhecer ao seu povo a sua salvação pela remissão dos pecados” (Lc 3,1-6).

 

São Lucas situa João Batista dizendo que de Jerusalém e de todas as partes da Judeia o povo acorria para ouvi-lo e se fazer batizar por ele no rio Jordão, confessando os próprios pecados (cf. Mc 1,5). A fama do profeta que batizava cresceu a tal ponto que passou a ser conhecido como João Batista e muitos perguntavam se era ele o Messias. Mas ele, ressalta o evangelista, negou-o decididamente: “Eu não sou o Messias” (Jo 1,20).

 

Quando um dia veio de Nazaré o próprio Jesus para se fazer batizar, João inicialmente recusou-se, mas depois consentiu, e viu o Espírito Santo pairar sobre Jesus e ouviu a voz do Pai celeste que o proclamava seu Filho (cf. Mt 3,13-17). Mas a sua missão ainda não estava completada: pouco tempo mais tarde, foi-lhe pedido que precedesse Jesus também na morte violenta: João foi decapitado na prisão do rei Herodes, e assim deu pleno testemunho do Cordeiro de Deus, que ele foi o primeiro a reconhecer e a indicar publicamente.  João pagou com a vida, selando com o martírio o seu serviço a Cristo (cf. Mc 6,14-29).

 

No final do evangelho há uma referência à ida de João para o deserto (v. 80); deserto é o lugar onde Israel fez a sua experiência de encontro com Deus, onde sentiu de forma especial o amor de Deus e onde o Povo assumiu o compromisso da aliança: é essa experiência que João vai fazer, para depois a apresentar ao seu Povo.

 

A primeira leitura da Liturgia da Palavra nos fez escutar a profecia de Isaías, colocando as palavras do profeta na boca de João Batista: “O Senhor chamou-me antes de eu nascer, desde o ventre de minha mãe ele tinha na mente o meu nome… ele que me preparou desde o nascimento para ser seu Servo (Is 49,1.5)  O texto ressalta que todos nós somos frutos de um desejo de Deus, fomos todos misteriosamente chamados à vida. O nascimento de João Batista que celebramos, do filho de Zacarias e Isabel, foi fruto do desígnio amoroso de Deus.

 

Invoquemos a intercessão de São João Batista por cada um de nós, para que saibamos ser sempre fiéis a Cristo e testemunhar com coragem a sua verdade e o seu amor a todos. E a ele possamos também confiar o nosso caminho ao encontro do Senhor. Assim seja.

 

  1. Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento / RJ

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